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PERSISTÊNCIA E MUDANÇA
“O hábito é, por assim dizer, uma segunda natureza.”
– CÍCERO
De vez em quando, minha prima entra no Facebook e proclama que vai mudar de vida. No caso dela, isso significa emagrecer. Sempre começa do mesmo jeito: ela fica aflita porque seu peso está mais alto do que gostaria e sente dores nas costas, intensificadas pelos quilos a mais. Depois, resume a situação de uma forma que todos podemos entender. Diz que se sente impotente. Incapaz de mudar. Por fim, pede ajuda aos amigos da rede social.
O mundo virtual (pelo menos uma pequena parcela dele) é bem encorajador:
“Você consegue! Se alguém é capaz disso, é você.”
“Não há nada que você não consiga fazer.”
“Você é uma das mulheres mais fortes que eu conheço.”
“Você pode vencer esse desafio.”
Os amigos a incentivam. Desempenham bem seu papel nesse sofisticado processo social ao qual minha prima deu início: primeiro, seu comprometimento é compartilhado, portanto torna-se mais forte e real para ela. Mas há um segundo passo, menos óbvio: ela aumentou o risco em caso de fracasso. Suas declarações públicas a tornam responsável pelo sucesso. Comparada a uma simples resolução de emagrecer que não é compartilhada, sua exposição aumenta o custo de uma decepção. É isso que confere uma característica dramática a essas postagens. Ela não apenas está contando que gostaria de emagrecer, mas, na verdade, está prometendo que desta vez isso vai acontecer. As amigas dão conselhos mais apropriados a uma heroína prestes a começar sua jornada: “Nunca permita que digam que você não vai conseguir.” Minha prima não só vai emagrecer 7 quilos: vai começar uma nova vida. Sua determinação é clara e forte, e ela tornou essa resolução pública.
Ainda assim… todos sabemos aonde isso vai dar.
A economia clássica nos oferece uma visão do dilema da minha prima. O conceito de Homo economicus, ou “homem econômico”, refere-se ao interesse humano supostamente imutável e racional por si mesmo, algo que tornaria seu comportamento tão previsível quanto uma conta de matemática. Como bons exemplares de Homo economicus, somos considerados maximizadores de utilidade – ou seja, espera-se que estejamos sempre deliberadamente em busca de objetivos benéficos. Essa noção de racionalidade ganhou destaque cerca de 200 anos atrás, no trabalho do teórico político John Stuart Mill. Porém, mesmo naquela época, suas ideias foram motivo de crítica e desdém. Aliás, os primeiros críticos de Mill sobre nossa racionalidade coletiva cunharam o termo Homo economicus para ironizar sua análise. Desde então, o campo da economia desenvolveu uma compreensão mais realista e complexa da natureza humana. Por fim, mesmo seus princípios mais fundamentais foram ajustados à luz de nossas teimosas irracionalidades. Nem o pai da economia moderna foi poupado. Pode até ser verdade, como afirmou Adam Smith, que todos agimos “movidos pelo nosso próprio interesse”, mas esse interesse pode ser definido de inúmeras e variadas formas.
Não pude deixar de pensar no Homo economicus quando vi a postagem da minha prima. Se ela fosse uma criatura puramente racional, regida por intenções claras, poderia mudar seu estilo de vida de um jeito simples e reservado. Não seria necessário anunciar nada.
Quão difícil é realmente mudar a nós mesmos?
Como a maioria de nós, minha prima intuitivamente sabia a resposta: é muito difícil.
Foi aí que ela descobriu como se comprometer com a mudança de maneira proativa. Comprometeu-se com seus planos e aumentou os custos do fracasso. Foi além de simplesmente optar por mudar. Começou a transformar seu ambiente social num contexto que tornava custoso não emagrecer. Isso deveria ter funcionado.
E funcionou. Duas semanas após a primeira postagem, ela fez uma atualização contando que havia perdido 1 quilo. “É um ótimo começo.”
Em seguida, silêncio.
Um mês depois, explicou que continuava tentando, mas sem muito sucesso. “Nenhum avanço para contar.” E essa foi a última postagem dela sobre o assunto por algum tempo.
Seis meses depois, ela não tinha feito mais nenhum progresso. Na verdade, a única mudança era que agora minha prima tinha mais uma razão para se sentir mal. Um fracasso público. O resultado, assim como ocorre com tantas pessoas que tentam mudar algum comportamento, foi que a mudança simplesmente não aconteceu. Ela tinha força de vontade, determinação e apoio. Devia ter sido o suficiente, mas não foi.
O primeiro passo para solucionar esse problema é reconhecer que não somos totalmente racionais. Nossas ações podem ser motivadas por razões obscuras. As coisas em que nos baseamos podem ser surpreendentes. Nos últimos anos os cientistas começaram a desvendar nossa natureza multifacetada e a identificar os preconceitos e as preferências decorrentes dela. Segundo esse entendimento, nunca conseguiremos anular totalmente essas influências, mas podemos levá-las em conta quando agimos. Nosso comportamento tem origem em algumas das mais misteriosas, ocultas e (até recentemente) não reconhecidas fontes de irracionalidade.
O que está inviabilizando as tentativas de mudança da minha prima? O que está atrapalhando todos nós? A resposta é que, na verdade, não entendemos o que de fato motiva nosso comportamento. E o problema é ainda mais complexo. Precisamos parar de superestimar nosso eu racional e compreender que também somos constituídos por partes mais profundas. Podemos pensar nessas outras partes de nós como pessoas que esperam nosso reconhecimento – e aguardam nossas ordens para agir.
A ciência enfim vem revelando por que somos incapazes de mudar nosso próprio comportamento. Além disso, está mostrando como aproveitar esse novo conhecimento e formular um plano para efetuar mudanças duradouras na nossa vida.
Talvez você já tenha tentado economizar organizando seu orçamento. Ou tenha tentado aprender um novo idioma num curso on-line. Talvez seu objetivo tenha sido sair mais e conhecer pessoas. No começo, suas intenções foram fortes, apaixonadas, resolutas. Mas, com o passar do tempo, você não conseguiu manter esse compromisso. E o resultado desejado simplesmente não aconteceu.
Essa é uma experiência humana muito comum: queremos realizar uma mudança e estabelecemos fortes intenções. Deveria ser o suficiente. Basta lembrar quanto é unânime o senso comum sobre esse assunto: “Ela não teve força de vontade…” Ou: “Você está fazendo o melhor que pode?” Esse raciocínio simplista começa na primeira infância (“O céu é o limite!”) e persiste até o fim, até aquele estágio da vida em que muitos de nós (infelizmente) teremos que “lutar” contra doenças como o câncer. O que está implícito é que tudo depende da sua força de vontade. Assim, a mudança pessoal torna-se uma espécie de teste de personalidade – ou pelo menos da nossa parte consciente. O famoso slogan da Nike pode ter começado com certa ironia, mas o tom determinado da mensagem – e da nossa receptividade a ela – transformou-o num mandamento secular: Just do it.* O corolário é o seguinte: se não estamos fazendo algo, é porque optamos por não fazer.
Aposto que isso seria uma novidade para minha prima e seus amigos. Ela optou por fazer uma coisa, e de fato tentou realizá-la. Mas não conseguiu. Infelizmente, nessas condições, o fracasso é desanimador. A comparação com pessoas mais bem-sucedidas torna-se dolorosa.
É difícil deixar de comparar nossa incapacidade de mudar com as realizações de quem persistiu em seus objetivos: atletas que treinam por horas todos os dias; músicos que passam meses se preparando para uma apresentação; escritores famosos que escrevem páginas e mais páginas sem parar até concluir um projeto. Olhamos para esses grandes profissionais e só conseguimos interpretar seu misterioso e invejável sucesso pela perspectiva da força de vontade: eles estão fazendo. Então, por que nós não conseguimos também? Por que nossas realizações parecem insignificantes quando comparadas às deles?
E assim nos sentimos pequenos.
É fácil concluir que não estamos à altura, que também conseguiríamos se nos comprometêssemos com firmeza. Contudo, não tivemos tamanha força de vontade. Simplesmente não conseguimos fazer.
Nos Estados Unidos, isso se tornou um fenômeno nacional. Quando entrevistados sobre a maior dificuldade para os obesos emagrecerem, a falta de força de vontade foi a razão mais citada. Três quartos dos entrevistados acreditam que a obesidade resulta da falta de controle sobre a própria alimentação.
Até as pessoas obesas afirmam que a falta de força de vontade é o maior obstáculo à perda de peso. Oitenta e um por cento responderam que a falta de autocontrole era sua ruína.3 Não surpreende que quase todos os entrevistados estivessem tentando mudar. Eles adotaram dietas e fizeram exercícios, mas não obtiveram resultados positivos. Alguns tentaram perder peso mais de 20 vezes! Mesmo assim, continuavam acreditando que faltava força de vontade.
Três quartos é uma parcela considerável, ou seja, a maioria. Atualmente, cerca de 75% dos americanos acreditam que a Terra gira em torno do Sol. Em outras palavras, é um fato estabelecido. Da mesma forma, a falta de força de vontade é o problema.
A história da minha prima não tem nada de original. Nós mesmos já tivemos uma experiência semelhante. Todos já pusemos a culpa na falta de força de vontade. E continuamos a acreditar nisso. Atribuímos a esse fator o caráter de uma autoridade astronômica, quando na verdade seus resultados seriam mais de ordem astrológica. O que está faltando para possibilitar mudanças verdadeiras e duradouras?
Este é o enigma que me atraiu para o estudo sobre a mudança de comportamento: por que é fácil tomar a decisão inicial de mudar, inclusive fazer algumas coisas certas, mas tão difícil persistir a longo prazo? Quando eu era estudante de pós-graduação e jovem professora, vi alguns dos meus colegas mais motivados e talentosos sofrerem com esse dilema. Eles queriam conquistar seus objetivos e, para isso, começaram projetos interessantes, mas não conseguiram enfrentar o desafio de se manterem produtivos no ambiente universitário altamente desestruturado.
No começo da minha carreira, um brilhante aluno de pós-graduação com problemas para cumprir prazos veio trabalhar no meu laboratório. Ele se destacava na sala de aula, mas parecia perdido ao trabalhar em projetos de pesquisa independentes. Tentei ajudá-lo estabelecendo horários regulares e pequenas etapas até a conclusão. Por fim, ele se viu diante de um prazo inadiável na universidade. Para continuar os estudos, teria que enviar a proposta de sua tese até determinada data. Na manhã desse dia, cheguei cedo ao escritório na expectativa de ler seu trabalho, mas fui recebida pela imagem de uma lápide que ele tinha pendurado na minha porta. Eu entendi na hora: ele não conseguira cumprir o prazo e abandonara o sonho de uma carreira acadêmica.
Se você já frequentou uma universidade, deve ter percebido que inteligência e motivação têm pouco a ver com o cumprimento regular de tarefas. O que fazer, então?
Na minha opinião, a hipótese da força de vontade deriva de um erro inicial – ainda que racional. Quando minha prima resolveu emagrecer ou quando alguém decide mudar de carreira, a sensação é de que a atitude mais importante para a mudança já foi tomada. O mundo é um lugar caótico e ruidoso, que nos desestimula a tomar decisões cruciais. A maioria das pessoas evita tomar essas decisões até ser estritamente necessário. Assim, quando afinal nos decidimos, mais parece uma vitória. Emagrecemos alguns quilos, trocamos de emprego… mas aí as coisas começam a desacelerar. O problema não é a força de vontade. Se você perguntasse à minha prima se ela ainda gostaria de alcançar sua meta algumas semanas depois da primeira postagem, tenho certeza de que ela diria que sim (embora com um pouco de hesitação).
A ciência tem demonstrado que, independentemente dos anúncios da Nike e do senso comum, não somos um todo unificado. Em termos psicológicos, não temos uma única mente. Nossa mente é composta por múltiplos mecanismos separados mas interconectados que guiam nosso comportamento. Alguns desses mecanismos são adequados para lidar com as mudanças. São recursos que conhecemos – nossa capacidade de tomada de decisão e nossa força de vontade – porque os vivenciamos conscientemente. Quando tomamos decisões, avaliamos de modo consciente as informações relevantes e geramos soluções. Quando exercemos nossa força de vontade, envolvemos ativamente esforço mental e energia. As decisões e a força de vontade se baseiam no que chamamos de funções de controle executivo da mente e do cérebro, que são processos cognitivos do pensamento para selecionar e monitorar ações. Em geral, temos consciência desses processos. Eles são a nossa realidade subjetiva ou o que reconhecemos como “eu”. Assim como sentimos o esforço de exercer a força física, estamos cientes da carga de exercer a força mental.
O controle executivo tem seu preço. Muitos dos desafios da vida não exigem nada além disso. A decisão de pedir um aumento de salário começa com o agendamento de uma reunião com seu chefe. Você formula seu pedido com todos os detalhes e descreve suas razões. Você também pode decidir embarcar num novo romance e convidar aquela pessoa atraente da academia para tomar um café. Depois de algumas deliberações, você encontra uma maneira apropriadamente casual de fazer isso. A decisão funciona nesses eventos pontuais. Tomamos a decisão, fortalecemos nossa determinação e reunimos nossas forças para seguir adiante.
Outras áreas da vida, contudo, teimam em resistir ao controle executivo. E, seja qual for o caso, pesar os prós e contras toda vez que agimos é uma maneira tremendamente ineficaz de conduzir nossa vida.
Retomarei esse ponto mais adiante, mas você consegue se imaginar tentando “tomar a decisão” de ir à academia toda vez que for à academia? Você estaria se condenando a reavivar todos os dias o entusiasmo inicial. Estaria forçando sua mente a passar pelo exaustivo processo de analisar todas as razões que o levaram a ir à academia na primeira vez – e, como nossa mente é maravilhosa e irracionalmente contraditória, você também teria que lidar com as razões para não ir. Isso aconteceria toda vez. Todos os dias. Pois é assim que funciona a tomada de decisão. Você viveria nas garras de um levantamento de peso mental, com pouco tempo para pensar em outras coisas.
O que vamos descobrir neste livro é que existem partes da nossa mente especificamente adequadas para estabelecer padrões repetitivos de comportamento. São os nossos hábitos – mais propícios a funcionar de modo automático do que a enfrentar o barulhento e combativo debate que costuma acompanhar nossas tomadas de decisão. O que veremos também é que grande parte da vida já está contida nesses setores automatizados – as partes simples e frequentes de nós mesmos às quais podemos atribuir uma tarefa. O que poderia ser melhor para realizar objetivos importantes e de longo prazo? Ignorar os debates e começar a trabalhar. É exatamente para isso que servem os hábitos.
A ciência e nossa própria experiência já demonstraram que a mente forma hábitos naturalmente, tanto os inócuos quanto os que têm consequências mais sérias. Aposto que seus primeiros 15 minutos após despertar são exatamente iguais todas as manhãs. Isso é natural. Mas, para perseverar, nossa mente precisa constantemente criar e recriar tendências ativas e deliberadas. É fácil acreditar que a persistência vem de esforços repetidos e conscientes que moldam nossas ações para atingir nossos objetivos. Se nossos padrões de comportamento fossem resultado do Just do it, do “Faça logo”, como muitos de nós acreditamos, então a mente consciente deveria optar por continuar realizando as coisas que faz todos os dias… certo?
Isso seria possível se conseguíssemos controlar nossa mente. Mas a mente consciente tem pouca relação com as diversas coisas que fazemos – em especial as que fazemos pela força do hábito. O que acontece é que há em funcionamento um vasto maquinário inconsciente e parcialmente oculto que podemos orientar com sinais e sugestões da nossa mente consciente, mas que no fim das contas funciona por conta própria, sem muita interferência do controle executivo. Essas partes de nós são muito diferentes do eu consciente que conhecemos e podem ser utilizadas de maneiras muito diversas.
O eu que conhecemos se preocupa com aumentos salariais e relacionamentos amorosos. Nosso eu inconsciente forma hábitos que nos permitem repetir o que fizemos no passado. Temos pouca experiência consciente sobre como formar um hábito ou agir por hábito. Não controlamos nossos hábitos da mesma forma que controlamos nossas decisões conscientes. Essa é a natureza oculta e subjacente do hábito, o que explica por que as conversas casuais sobre essa questão são marcadas por uma estranha submissão: “Ah, bem, é o hábito.” É como se os hábitos existissem à parte de nós ou funcionassem em paralelo ao eu que vivenciamos. Hábitos sempre foram um mistério; estão há décadas atrelados à noção de que eliminar os maus hábitos ou formar hábitos novos e benéficos é só uma questão de intenção e força de vontade.
Antes de seguir em frente, é importante ressaltar que os mesmos mecanismos de aprendizado são responsáveis tanto pelos bons hábitos, ou seja, aqueles alinhados aos nossos objetivos, quanto pelos maus hábitos, os que se opõem a eles. Bons ou maus, os hábitos têm as mesmas origens e resultam em experiências bem diferentes, é claro, mas não se deixe influenciar por isso quando pensar neles. Nesse sentido, frequentar a academia com regularidade e fumar alguns cigarros por dia são a mesma coisa. São resultados dos mesmos mecanismos em funcionamento.
Porém, para ter uma vida saudável, fazer exercícios e fumar são ações opostas. Este livro pretende mostrar como podemos usar a compreensão consciente de nossos objetivos para orientar nosso eu habitual, movido pelo hábito. Podemos definir um plano; podemos direcioná-lo. Se soubermos como os hábitos funcionam, podemos criar pontos de contato entre eles e nossos objetivos, além de sincronizá-los de maneiras surpreendentemente vantajosas. Como veremos, isso já acontece em certos casos.
Durante minha pós-graduação, estudei num dos melhores laboratórios de pesquisa de comportamento do mundo. Apresentávamos às pessoas informações sobre um tópico específico e verificávamos se isso influenciava seus julgamentos e opiniões. Desenvolvemos modelos sobre como as pessoas mudam atitudes e comportamentos. O foco eram os estágios iniciais da mudança – como influenciar as pessoas a adotarem novas visões de mundo. Estudamos, por exemplo, como recursos persuasivos geram apoio a políticas ambientais. Foi um trabalho importante e valioso. Como já mencionei, muitas decisões na vida estão sujeitas ao controle executivo, o centro de comando para mudanças iniciais.
No entanto, algumas situações exigem mais do que vontade e tomada de decisão inicial: tornar-se um pai melhor, um cônjuge mais receptivo, um funcionário mais produtivo, um aluno mais diligente ou um consumidor mais cauteloso. Essas mudanças não acontecem ao mesmo tempo; precisam ser praticadas por longos períodos – anos – com atitudes que devem ser constantemente mantidas. Se seu objetivo é reduzir o impacto no meio ambiente, não adianta voltar para casa de ônibus apenas hoje. Você tem que fazer isso hoje, amanhã e no futuro. Para se manter em boa condição financeira e pagar suas dívidas, não basta deixar de comprar aquele par de sapatos ou um celular novo. Você precisa resistir a várias compras, pelo menos até suas contas estarem no azul. Para construir um novo relacionamento, você deve persistir, mesmo que a pessoa que você convidou para tomar um café rejeite seu convite. Precisa conhecer mais pessoas de quem você goste e fazer repetidas propostas para se conectar a elas. Precisa encontrar um jeito de se comprometer com os procedimentos coerentes ao fazer as coisas.
Quando comecei minha pesquisa, logo percebi que a persistência era muito importante. Na verdade, não me propus a estudar hábitos; eu queria entender como as pessoas persistem. O senso comum era de que a persistência exigia atitudes fortes – fortes o bastante para que as pessoas efetuassem uma mudança e a mantivessem a longo prazo. Percebi que era possível testar essa ideia em grande escala, revendo todas as pesquisas que mensuravam o que as pessoas queriam, o que pretendiam fazer – matricular-se em algum curso, tomar vacina contra a gripe, reciclar, andar de ônibus –, e depois verificar o que elas realmente fizeram. Será que mantiveram suas intenções e se inscreveram em algum curso, tomaram a vacina, reciclaram ou andaram de ônibus? Parecia uma pergunta simples e óbvia, que deveria ter uma resposta direta.
Com uma de minhas alunas, Judy Ouellette, fiz uma revisão sistemática de 64 estudos, em que mais de 5 mil participantes foram entrevistados. O que descobrimos foi surpreendente. Em alguns comportamentos, as pessoas agiram como esperado. Se relataram que pretendiam se matricular em algum curso ou tomar vacina contra a gripe, em geral fizeram isso. Nesses comportamentos pontuais, ocasionais, prevaleceram as decisões conscientes, e pessoas com atitudes fortes cumpriram o prometido. Quanto mais firmes os planos, maior a probabilidade de executarem a ação. Porém, outros comportamentos se mostraram intrigantes. Em atitudes que deveriam ser repetidas com frequência, como reciclar ou andar de ônibus, as intenções não faziam muita diferença. As pessoas podiam querer reciclar seu lixo ou ir de ônibus para o trabalho, mas esses comportamentos não se tornaram permanentes. Aquelas que jogavam todos os dejetos no lixo comum continuaram fazendo isso, independentemente de suas intenções de reciclar. As que costumavam ir de carro para o trabalho continuaram usando o mesmo meio de transporte, apesar da intenção de pegar ônibus. Em alguns comportamentos, as atitudes e o planejamento tiveram pouco impacto sobre a ação.
Esses resultados foram inesperados. Uma vez que tivessem decidido agir e assumissem uma forte intenção, as pessoas deviam apenas ter agido de acordo. Quando tentei publicar meus resultados, o editor da revista pediu que eu refizesse as análises, mas cheguei às mesmas conclusões. Então encomendaram um novo estudo para validar os resultados. Mais uma vez, descobrimos que as ações repetitivas eram diferentes. As pessoas podiam estabelecer atitudes e planos mais firmes de forma consciente, mas continuavam a se comportar como antes. A pesquisa foi enfim publicada, e desde então repetida centenas de vezes. Obviamente, nem todos os cientistas se convenceram. Alguns contra-argumentaram veementemente, acreditando que as atitudes e intenções conscientes são o suficiente para explicar o comportamento.
Essa pesquisa inicial mostrou-se fundamental na identificação da natureza específica da persistência. Por “específica”, quero dizer que a persistência não estava relacionada com o que tínhamos imaginado anteriormente. Não parecia estar relacionada a nenhum aspecto dos modelos aceitos e não seguia a fórmula sugerida pelo senso comum. A persistência parecia ser mais do que pensávamos ser, além de mais estranha. Ficou claro que não conseguíamos evocar a persistência pedindo às pessoas que declarassem suas intenções. Atitudes e planos firmes não se traduziam em persistência.
Mas os críticos estavam certos de alguma forma, pois minha pesquisa inicial não explicou o que levava as pessoas a persistirem. Sabíamos que era algo especial, mas não sabíamos como a persistência poderia ser desenvolvida. Décadas depois, essas críticas foram finalmente analisadas. Agora compreendemos que é o hábito que cria a persistência. E este livro explica o que aprendemos sobre como criar hábitos.
Há muito tempo tem prevalecido o mito de que a mudança comportamental envolve pouco mais do que fortes intenções e a força de vontade para implementá-la. Portanto, é válido pensar sobre isso de forma crítica. Exatamente de que modo o controle executivo funcionaria na implementação de mudanças duradouras?
Sabemos que quando as pessoas estão realmente decididas e comprometidas em emagrecer de forma saudável é possível que elas percam 7 ou 10 quilos. Esse é o peso que uma pessoa obesa pode perder ao longo de um programa de seis meses. Já é alguma coisa.
Mas sabemos mais do que isso. Em determinado momento, a maioria dos participantes desses programas de emagrecimento retoma os antigos hábitos alimentares e o sedentarismo. Cinco anos depois, apenas cerca de 15% deles continuaram 5 quilos mais magros. O resto voltou ao peso original ou até o ultrapassou.
Os programas de controle de peso conhecem esses dados. Conversei com David Kirchhoff, ex-presidente e CEO do Vigilantes do Peso, sobre o sucesso de seus participantes a longo prazo. “Na maioria dos casos, ao se esforçarem para mudar, as pessoas não conseguem cumprir a meta. Todo mundo sabe que quem segue as regras do Vigilantes do Peso por tempo suficiente consegue bons resultados, mas isso se realmente cumprir o programa. O que notamos é que a maioria não cumpre. Esse é o outro lado do Vigilantes do Peso”, admitiu ele.
Manter-se em um programa como o Vigilantes do Peso envolve uma luta constante. “Eu penso o seguinte”, continuou Kirchhoff. “Se você tem um problema de peso, sempre terá um problema com o seu peso. Se você tem o costume de comer de forma exagerada, se encara a comida de determinada forma, se luta contra a comida porque seu metabolismo é definido de certa maneira, trata-se de uma condição crônica que nunca desaparece. Não há cura para a obesidade. Isso significa que de vez em quando você terá recaídas. Então é preciso colocar as coisas nos eixos. Não dá para passar pelo Vigilantes do Peso, emagrecer, sair… e pronto.”
É uma maneira difícil de viver. Como Kirchhoff explicou: “Nas muitas reuniões do Vigilantes do Peso, você presencia essa luta e essa dor. Vê pessoas que perderam 50 quilos e depois engordaram tudo de novo. Vê o impacto que isso teve nelas. Elas se sentem horríveis. Elas se sentem um fracasso. A confiança delas é abalada até o último fio de cabelo.”
O controle de peso é apenas um exemplo útil, pois pode ser quantificado e já foi amplamente estudado. Mas a mesma dinâmica está em jogo se você estiver tentando passar mais tempo com os filhos, economizar dinheiro ou manter o foco no trabalho.
O problema é que a teoria das fortes intenções de mudança e da força de vontade subestima drasticamente a probabilidade de recaída. Vamos considerar que minha prima persistisse em emagrecer só com a força de suas decisões, sem desenvolver novos hábitos.
A decisão por si só teria sido tomada num ambiente hostil, pois ela costuma comprar comidas pouco saudáveis para os filhos adolescentes. O resultado são biscoitos, salgadinhos, refrigerantes, sorvete espalhados por toda parte – nas bancadas, nos armários e na geladeira. Nesse ambiente, ao lado dos filhos sempre beliscando alguma coisa, ela come enquanto assiste à TV, fala ao telefone e curte a família. Ela gosta de ir ao shopping, então sempre passa em algum restaurante fast-food. A vida dela gira em torno de comer.
Vale a pena notar que o ambiente em si não é inerentemente hostil. Nossos ancestrais se surpreenderiam com a ideia de que a comida não mais seria escassa e de que um dia seríamos atormentados pela sua superabundância. Mas o problema não é só esse. Segundo David Kessler, ex-dirigente da FDA – agência reguladora de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos –, a indústria alimentícia não visa apenas saciar seus clientes. A indústria, incluindo produtores, fabricantes, degustadores, embaladores, comerciantes, distribuidores e varejistas, investe em alimentos hiperestimulantes, que nos fazem comer constantemente. Neste exato momento, cientistas se dedicam a desenvolver maneiras de fazer você comer mais do que naturalmente deseja. É importante saber disso, não para gerar uma sensação de impotência, mas para preservar nosso senso de identidade, apesar das repetidas recaídas. O ambiente atual representa um grande desafio, e só vamos enfrentá-lo e vencê-lo se conseguirmos entendê-lo por completo.
Para piorar, minha prima mora em um bairro que não facilita a prática de exercícios. A cidade foi construída para automóveis, não para pedestres. Ela tem três carros na garagem, a poucos passos da sala, e sua casa não é muito grande, portanto não tem espaço para equipamentos de ginástica.
Para manter suas intenções nesse ambiente, ela teria que resistir à atração do consumo excessivo e do sedentarismo. Sua vida se tornaria uma decisão difícil atrás da outra. Todos os dias seriam semelhantes ao primeiro, como no filme Feitiço do tempo: sempre resistindo aos mesmos confortos e conveniências, sempre resistindo à sua fraqueza subjacente, numa constante prova de resistência.
Decisão e vontade não são as ferramentas apropriadas para fazer sacrifícios constantes, para persistir em nossos novos objetivos. Trata-se de um esforço muito grande, que nos deixa sem tempo para nos concentrar em outras coisas. Além do mais, o melodrama dessa abnegação contínua é contraproducente.
O psicólogo Daniel Wegner e seus colegas criaram um experimento para demonstrar o efeito irônico de inibir nossos desejos. Os participantes receberam uma tarefa simples: não pensar em um urso-polar. Afinal, quem costuma pensar em ursos-polares? Os participantes ficaram sozinhos numa sala do laboratório por cinco minutos e tocavam uma campainha sempre que não conseguiam reprimir esse pensamento. Em média, eles tocaram a campainha cerca de cinco vezes, quase uma vez por minuto. Não é nenhuma surpresa que nossos pensamentos vagueiem, até mesmo por tópicos proibidos, quando estamos sozinhos e entediados. O interessante foi o que aconteceu depois, quando os mesmos participantes tiveram que ficar cinco minutos tentando pensar em um urso-polar. Depois da tarefa de repressão do pensamento, eles tocaram a campainha quase oito vezes. Em comparação, participantes instruídos a ficar cinco minutos tentando pensar em um urso-polar, mas que não haviam passado pelo experimento inicial de reprimir o pensamento, tocaram a campainha menos de cinco vezes. Foi como se o ato de tentar reprimir um pensamento lhe desse uma energia especial para reaparecer mais tarde. Para os participantes que tentaram não pensar em ursos-polares, o pensamento retornou várias vezes. Ao avaliar a experiência, aqueles que inicialmente reprimiram o pensamento nos ursos-polares afirmaram que se sentiram preocupados com eles.
Trata-se de uma distorção irônica do desejo. Tentar reprimir um desejo sabota as melhores intenções e dificulta os objetivos. Isso confunde nosso bom comportamento, transformando-o em tortura. Como explicou Wegner: “Nós ficamos acordados preocupados por não conseguirmos dormir ou passamos o dia todo indo à geladeira quando queremos fazer dieta.” Exercer controle tem uma “característica de oposição que sempre parece atormentar as tentativas de direcionar nossa mente”.
Nesse ponto, quando os desejos não satisfeitos se avolumam e a motivação está em baixa, nosso eu pensante e consciente entra em cena. A consciência é maleável e arranja justificativas para desistir. Criar desculpas é um grande talento da nossa mente consciente. Nesse momento, você pode racionalizar o fato de ter comido pizza na noite anterior (não tinha almoçado) ou o de deixar de ir à academia (seus joelhos estão doendo). Esse talento nos permite parar de lutar contra nós mesmos e o ambiente em que estamos inseridos. Estamos de volta ao ponto de partida.
A vida poderia ser muito diferente se aproveitássemos as descobertas científicas sobre como, quando e por que os hábitos funcionam. Embora sejam essenciais para a condição humana, nossos hábitos são paradoxalmente contraintuitivos. Como veremos, a incapacidade de compreensão é um dos aspectos que definem os hábitos, algo que os ajuda a continuar fazendo o que fazem: persistir apesar de nossas intenções conscientes de fazer o contrário.
Nosso eu consciente, alerta, a parte que vive cada segundo das decisões que tomamos, das emoções que expressamos e da força de vontade que exercemos, é a parte com que convivemos todos os dias. Temos a capacidade da introspecção, mas nos deparamos com o dilema filosófico de aplicar nosso aparato perceptivo e cognitivo para entender a nós mesmos. Só podemos conhecer as partes conhecíveis da nossa experiência.
Os hábitos funcionam de forma tão harmoniosa que quase nunca pensamos neles. O mundo dos hábitos é autônomo e faz sentido pensar nele como uma espécie de segundo eu – um lado nosso que vive na sombra projetada pela mente pensante que conhecemos muito bem. Entender como isso funciona requer todos os recursos da psicologia e da neurociência.
É claro que em certas ocasiões nossos hábitos evocam pensamentos conscientes. Quando tomamos a decisão consciente de conversar pessoalmente com os colegas de trabalho em vez de enviar um e-mail, descartamos mensagens furiosas que poderíamos escrever de modo automático. Quando pensamos em economizar água, fechamos o chuveiro. Lembramo-nos de desligar o celular durante o jantar com os filhos. Estamos exercendo o controle executivo, ou o processamento de cima para baixo, usando nossas melhores intenções para controlar hábitos indesejados.
É assim que muitos de nós vivemos. Com o eu consciente da tomada de decisões em confronto com as respostas automáticas habituais. Somos repetidamente arrastados pelos maus hábitos, numa espécie de guerra interna.
Mas existe outro caminho.
Podemos mudar hábitos indesejados e desenvolver bons hábitos que sejam coerentes com nossos objetivos. Quando nossa resposta automática é a desejada, nossos hábitos e objetivos estão em harmonia. Não precisamos mais confiar na força de vontade. Este é o ensinamento deste livro: entender como estabelecer bons hábitos em meio às armadilhas da vida cotidiana. Podemos aprender a construir hábitos que funcionem a nosso favor, não contra nós.
Muitas de suas virtudes pessoais são fruto do hábito. Você tranca automaticamente a porta quando sai de casa, aciona a seta do carro quando está prestes a mudar de faixa ou fazer uma curva e beija seus filhos todos os dias quando eles saem para a escola. Você pode pensar que faz essas coisas porque quer. Mas o mais provável é que essas respostas regularmente repetidas sejam hábitos. Os hábitos são tão eficientes e silenciosos que acreditamos que os praticamos em decorrência de uma decisão consciente.
Quando estão alinhados, hábitos e objetivos integram-se perfeitamente para orientar nossas ações. Na maioria das vezes, nem sabemos que isso está acontecendo. Agimos por hábito, sem ter que tomar uma decisão.
Como veremos, em muitos aspectos a mente habitual é menos impressionante do que nosso eu pensante e consciente. E decerto atrai menos atenção. Mas funciona com bastante eficiência. Respondemos automaticamente a estímulos ambientais, num processamento de baixo para cima do mundo em que vivemos. Você entra no escritório e verifica as tarefas do dia. Se estiver com uma garrafa vazia na mão, você a joga no lixo. Abre a porta quando ouve a campainha tocar. Essa é a maneira de usar os hábitos para persistir e atingir os objetivos sem esforço.
Quais comportamentos você deseja mudar? Talvez queira jantar mais vezes com a família? Estabelecer canais de comunicação mais abertos com seus funcionários na empresa? Economizar para a aposentadoria ou para o futuro dos filhos? Dedicar-se mais a atividades culturais? Tudo isso pode ser integrado na parte da sua vida orientada pelo comportamento habitual. Pode se tornar algo que você faz sem pensar. Os hábitos trabalham para nós de maneiras que nossa mente consciente jamais será capaz.