Abertura
A maior parte das mulheres do mundo gostaria de namorar um homem bonito, inteligente, rico e charmoso.
Mas, se um rapaz convidar uma moça para jantar e depois da segunda taça de vinho disser a ela “Você já reparou como eu sou bonito, inteligente, rico e charmoso?”, a moça vai no mínimo pensar que ele é um idiota.
Se o mesmo rapaz, sem precisar dizer nenhuma dessas palavras, conseguir fazer a moça imaginar que ele é tudo aquilo e mais um pouco, certamente a chance de acontecer algo entre eles se torna bastante grande.
Este é o trabalho de um criador de publicidade: seduzir com inteligência. Mas em condições mais difíceis que as de um rapaz num jantar, porque não seduzimos ao vivo. Seduzimos através da mídia, usando diferentes meios de comunicação.
Desde aqueles da idade do layout lascado, como os folhetinhos para distribuir nas esquinas e nos pedágios, até os da geração pós-digital, como os YouTube Bumper Ads e os NoBeta.
Falamos simultaneamente com milhões de pessoas como se estivéssemos falando com uma só, olhando no fundo dos seus olhos.
Seduzimos não somente as mulheres, que sempre foram as grandes líderes do universo de consumo, como também os homens e as crianças, respeitando os limites e a inteligência de cada um.
Por acreditar plenamente nisso, pensei em chamar este livro de “Memórias de um sedutor de homens, mulheres e crianças”, mas acabei optando por um título menos pretensioso e mais direto, apesar de continuar achando o exemplo da sedução amorosa perfeito para ilustrar a atividade de um publicitário.
Já havia usado esse exemplo anos atrás, quando disse uma frase que ficou famosa: “O cartão é mais importante do que as flores.” Para justificar essa frase, eu argumentava que dois rapazes parecidos podiam mandar flores iguais para uma mesma moça, mas que certamente faria mais sucesso aquele que escrevesse o melhor cartão.
Assim como escrever bons cartões, criar boa publicidade pode ser absolutamente fácil ou totalmente impossível.
No mundo inteiro existem poucos para quem essa tarefa é fácil. Essa meia dúzia de privilegiados tem uma característica em comum: são pessoas com algum talento que tiveram a esperteza de aprender mais sobre a vida do que sobre publicidade.
A maior parte dos publicitários anda com publicitários, conversa com publicitários, namora com publicitários, se casa com publicitários e acaba fazendo a publicidade que já foi feita.
É bastante comum dois casais de publicitários saírem para jantar e passarem a noite inteira falando dos seus trabalhos.
Costumo dizer que isso não é coisa de gente normal e, para dramatizar o fato, sugiro que imaginem dois casais de ortopedistas saindo para jantar e conversando o tempo todo sobre tíbias, perônios e rótulas.
Dos publicitários da minha geração, sou certamente o mais apaixonado pela publicidade. Mas sempre me realimentei de outras coisas, como a literatura, a música, as artes plásticas, o cinema, a fotografia, o teatro, o esporte, a arquitetura, o design.
Sempre tive o mesmo interesse por aquilo que é considerado intelectualizado e por aquilo que é tido como vulgar. Sempre fui do útil ao fútil, porque sei que nada é inútil para quem precisa conhecer todas as linguagens.
Essa postura desde o início da minha vida profissional me levou ao sucesso ainda bem jovem e me permitiu sobreviver com a mesma energia durante todos esses anos. Costumo dizer que trabalho nisso porque sou assim, não que sou assim porque trabalho nisso.
Este livro é uma tentativa de contar um pouco da minha trajetória e das influências e circunstâncias que me ajudaram, direta ou indiretamente, a realizar o que tenho feito.
Quando minha mulher me perguntou por que eu finalmente tinha decidido aceitar o convite para escrever essas histórias, respondi com uma frase de efeito: “Cansei de ler inverdades a meu respeito; agora resolvi contar as minhas próprias mentiras.”
A frase é divertida; parece do Grouxo Marx, mas é minha. E não é verdade. Não cansei de ler inverdades a meu respeito, até porque não li muitas, e posso garantir que estas páginas não contêm mentiras.
O livro é composto de várias histórias de sucesso e outras de fracassos e frustrações.
É evidente que, nesses anos todos, não tive só sucessos, assim como não criei absolutamente nada sozinho, porque, no meu ofício, ninguém faz nada sozinho. Pelo contrário, sempre contei com a colaboração de brilhantes profissionais e, na maioria dos casos, aprendi mais com eles do que eles comigo.
Alguns desses profissionais são citados em momentos que considerei fundamentais para a narrativa e o entendimento da história. Mas muitos que me ajudaram tanto – ou até mais do que esses – não estão citados.
Como peças publicitárias são exaustivamente divulgadas pelas agências, com fichas técnicas cada vez mais detalhadas, fico com a consciência tranquila de que os profissionais aqui citados e os não citados já foram anteriormente credenciados.
Já entraram para a história, quando algum trabalho mereceu virar história.
Propositalmente – e devido a essa preocupação de não transformar o livro num catálogo de nomes –, optei também por não fazer um índice onomástico, até porque índices onamásticos acabam desagradando mais do que agradando.
Os não citados ficam aborrecidos porque não foram citados e os citados ficam aborrecidos por se considerarem pouco citados.
Este é um livro de histórias verdadeiras sem ordem cronológica. Fui escrevendo de acordo com o que fui lembrando e, meio que sem querer, acabei criando pequenos ganchos entre um capítulo e outro.
Começa com esta abertura que é uma espécie de bula, continua com 21 capítulos que, espero, não sejam pesados de ler nem de carregar e termina com algumas páginas recheadas de curiosidades que deixei de contar ou comentar aqui e nos capítulos que seguem. Resolvi fazer isso devido a minha deformação profissional de publicitário, que me faz viver preocupado com que as pessoas memorizem tudo o tempo todo. Lendo o que eu esqueci de contar ou comentar, acredito que o leitor acabará relembrando um pouco do que leu e guardando um pouco mais da história como um todo.
Achei essa ideia um fecho útil e original, mas talvez nem seja tão original assim. Às vezes a gente acha que algo é novo apenas por não saber que já foi feito.
Quando eu tinha 19 anos, no final de 1970, frequentava a casa do jornalista, escritor e crítico de arte Geraldo Ferraz, homem que possuía uma enorme biblioteca. Ele era uma espécie de precursor do José Mindlin.
Geraldo Ferraz era pai do meu amigo Kiko, o Geraldo Galvão Ferraz, que teve como mãe ninguém menos do que a revolucionária Patrícia Galvão, a Pagu.
Eu adorava conversar com o pai do meu amigo, aprendia muito com ele, e naquele dia comentei, do alto dos meus 19 anos de idade, que um cara genial que eu havia acabado de conhecer estava planejando publicar um livro de poemas. O livro viria com uma lente de aumento encartada, que seria usada pelo leitor para aumentar o tamanho de determinadas palavras, interferindo assim no sentido original das frases.
Como quem conhece profundamente um assunto nunca se entedia, mas também nunca se extasia, Geraldo Ferraz não me disse nada. Em silêncio, me pegou pelo braço e me levou até a sua enorme biblioteca abarrotada de livros e decorada com coisas que ele havia ganho ao longo da vida, como móveis desenhados por John Graz e Gregori Warchavchic para a Semana de 22, um retrato da Pagu pintado por Candido Portinari e um busto dele próprio feito por Victor Brecheret.
No meio daquela quantidade impressionante de livros e obras de arte, Geraldo Ferraz encontrou sem maior esforço e me mostrou um livro com uma lente encartada, fazendo exatamente aquilo que o meu recém-conhecido “cara genial” tinha imaginado. Mas com uma diferença: o livro havia sido publicado 47 anos antes, em 1923, por um dos russos da turma do Vladimir Maiakovski.
Minhas últimas observações:
Este Direto de Washington foi escrito entre outubro de 2016 e dezembro de 2017, durante várias noites e fins de semana que passei entre São Paulo, Rio de Janeiro e Londres.
Com a nobre missão de acompanhar os estudos dos meus filhos adolescentes, Antônia e Theo, tenho dividido o meu tempo entre o Brasil e a Inglaterra.
Como viajar, para mim, nunca foi nenhum sacrifício, até porque considero check-ins tão importantes para a saúde física e mental quanto check-ups, essa nova vida só tem me feito bem.
Curiosamente – e por coincidência verbal e geográfica –, ela combina com meu atual momento brasileiro, em que, na WMcCann, faço o papel de Rainha da Inglaterra, que só aparece quando convocada. E com este meu novo momento inglês, em que atuo como consultor criativo da McCann Europa.
Passar boa parte do tempo em Londres, cidade que considero a melhor Nova York do mundo, tem sido muito agradável. As horas que tenho vivido entre a agência na Russel Square, pertinho da School of Life, do Alain de Botton, e a townhouse onde moro, em Belgravia, juntinho da Sloane Square, só tem me realimentado.
Na McCann London trabalho com calma, das 9 da manhã às 5 da tarde, num ritmo que passei muitos anos sem saber que existia.
Em casa vivo cercado da minha mulher, Patrícia, dos meus filhos, da nossa cadela Rosinha, de uma biblioteca variada e de algumas obras de arte que refletem e sintetizam diferentes momentos da minha vida: um bicho da Lygia Clark, um óleo do Anselm Kiefer, uma escultura do Jesús Soto, uma prova de artista do quadro Lindonéia, do Rubens Gerchman, um Diego Rivera que encontrei no Novo México, uma foto do Sebastião Salgado que só eu possuo, um Robert Rauschenberg que comprei em Nova York e dois desenhos ilustrando as canções “Corcovado”, do Tom Jobim, e “Partido alto”, do Chico Buarque, que ganhei do arquiteto Oscar Niemeyer e do cartunista Jaguar.
Como sempre, continuo acompanhando o Corinthians, só que agora pela Globo Internacional e pela internet; indo a grandes jogos de futebol em Wembley, como Tottenham x Real Madrid; frequentando exposições de artistas clássicos, como Henri Matisse, e contemporâneos, como David Hockney; assistindo a shows do Gilberto Gil no Barbican Centre e da Dee Dee Bridgewater no Cadogan Hall; ouvindo muita bossa nova, MPB, jazz, rock and roll e qualquer novidade musical que apareça.
O que, em resumo, significa que sou o mesmo cara que sempre fui, só que agora um pouquinho anglo-saxão, morando na cidade do Corinthians-Casuals sem deixar de ser brasileiro.
Esse sentimento, que defino como o de um apátrida patriota, pesou na minha decisão de aceitar o convite da Estação Brasil/Sextante para publicar essas lembranças.
Uma coisa que busquei em cada página, já a partir do título, foi a simplicidade, porque acredito que na comunicação o simples é sempre melhor. De complicada e cheia de discussões inúteis basta a vida.
Existe uma história inspirada no típico humor londrino que ilustra bem esse fato. Vamos imaginar que são 6 da tarde, no bar do hotel The Connaught, em Mayfair.
Um homem de 50 e poucos anos vestindo um terno da Savile Row, com cabelos grisalhos azulados, relógio Patek Philippe no pulso, aparência física que lembra o Sean Connery e postura de bilionário, encosta no balcão do bar e pede um dry martini.
Um minuto depois, uma mulher de uns 38 anos trajando um vestido assimétrico da Jil Sander, com um rosto que lembra o da Vivien Leigh, relógio da Van Cleef & Arpels no pulso e jeito de quem poderia ser a acionista majoritária da Selfridges, encosta no mesmo balcão e também pede um dry martini.
Eles nunca se viram antes. Ele olha para ela, ela olha para ele:
– Quer ir pra cama comigo? – ele pergunta.
– Na minha casa ou na sua? – ela rebate.
– Se é pra começar a discutir, não quero mais – responde ele.