APRESENTAÇÃO
por Paul
Para dizer a verdade, durante muito tempo hesitei em escrever um livro, já que sempre achei que a maior parte do que eu teria para dizer já foi dito ou, como acontece com muitos CEOs, pareceria uma tentativa malsucedida de reescrever minha história. Essa ideia nunca me atraiu. Mas Adi Ignatius, editor-chefe da Harvard Business Review, me convenceu da importância de compartilhar com um público amplo a história da minha transformação e da transformação da Unilever, além de ideias sobre quais rumos tomar. A perspectiva de escrever com Andrew Winston foi o que me convenceu. Há muito tempo admiro Andrew pelos seus livros The Big Pivot e Green to Gold, que consultei à exaustão enquanto comandava a Unilever. Os dois livros estavam à frente do seu tempo. Se na época ao menos tivéssemos prestado atenção!
Também agradeço a Jeff Seabright, que não somente é um amigo querido, mas, como diretor de sustentabilidade na Unilever, também foi um grande parceiro de lutas na melhoria do nosso modelo empresarial e no processo de organizar este livro. Sua memória, seus conselhos e seu senso de humor são visivelmente melhores do que os meus.
Estou escrevendo este prefácio durante a Páscoa, na Holanda, onde minha bela e jovial mãe de 92 anos acabou de nos deixar. Fico feliz por ter passado suas últimas semanas com ela. Minha mãe foi uma grande inspiração e devo muito a ela. Como professora que, na década de 1950, precisou abrir mão da amada profissão simplesmente porque era uma mulher que tinha que criar uma família, ela nos ensinou a importância da educação.
Ela viveu durante a Segunda Guerra Mundial e conhecia o poder de se dedicar aos outros, reconstruindo comunidades destruídas e trabalhando por um ambiente mais pacífico e inclusivo para todos. Valores como dignidade, respeito, equidade e compaixão eram naturais para ela e para meu pai enquanto criavam seis filhos.
Para muitos cristãos, a Páscoa é tradicionalmente um tempo de recomeços – e é assim que estamos celebrando o falecimento da minha mãe –, mas também uma grande metáfora da necessidade de se criar um mundo melhor onde todos possamos viver em harmonia uns com os outros e com a natureza, agora e pelas próximas gerações. A pandemia de covid-19 talvez tenha sido um violento despertar, uma maneira de dizer que não é possível ter pessoas saudáveis num planeta doente. A relação complexa que existe entre a perda da biodiversidade, a mudança do clima, a desigualdade, o crescimento econômico e a coesão social se tornou cada vez mais visível para muitas pessoas. Assim como as rachaduras no nosso sistema econômico. Percebemos que o crescimento infinito num planeta finito simplesmente não é possível. E qualquer coisa que não possamos fazer para sempre é, por definição, insustentável. Em última instância, chegaremos a um ponto em que os sistemas entrarão em colapso – na verdade, isso já está acontecendo.
Também acredito há muito tempo que um sistema econômico do qual muitas pessoas ainda sentem que não estão participando integralmente ou que as deixou para trás vai acabar se rebelando contra si mesmo. Estamos vendo amplas evidências disso, inclusive no sistema político, em que a força das democracias e a cooperação global são testadas de muitos modos. De todos os desafios, precisamos destacar a mudança climática e a desigualdade social como sendo os mais urgentes a serem enfrentados por todos nós. Não é de surpreender que os dois estejam intimamente relacionados. Na ausência de um multilateralismo total e robusto e diante de um imediatismo cada vez mais intenso, especialmente por parte da política, é imperativo que as empresas responsáveis se apresentem e ocupem esse espaço vazio – não sozinhas, mas em novas formas de parceria com os governos e a sociedade civil.
Este livro mostra algumas formas de fazer isso, porém, mais importante, explica por que isso é bom para a própria empresa. Essa é a ideia de impacto positivo. Aqui não queremos debater o capitalismo, mas sim, de modo prático, argumentar sobre as mudanças que as empresas devem implementar para que continuem merecendo a licença de operar. Dizemos simplesmente que os lucros não devem resultar da criação de problemas no mundo, e sim de solucioná-los.
Queríamos fazer um livro que fosse leve no “por quê” – já que a maioria de nós está convencida da direção necessária para a viagem – e em vez disso se concentrasse no “como”, que é onde a maioria de nós tem dificuldade. A tarefa é mesmo difícil e complexa, e muitos dos desafios estão fora do nosso controle. Às vezes ela parece avassaladora. Mas sabemos que, para nós que ocupamos cargos de responsabilidade, as respostas não estão em negá-la, culpar os outros ou fugir dela.
Acima de tudo, isso exige um tipo diferente de liderança, um tipo em que a coragem represente uma parte importante. Coragem de assumir a responsabilidade por todos os seus impactos na sociedade, para muito além das próprias operações. Coragem de estabelecer as ambições mais elevadas que você sabe serem necessárias, mesmo se não tiver as respostas. Coragem de abraçar as parcerias mais amplas capazes de impulsionar as maiores mudanças no sistema. A palavra coragem vem do francês coeur, que significa “coração”. De fato, num mundo empresarial e político cada vez mais determinado por planilhas, computadores e negócios rápidos, isso tem a ver com trazer de volta o elemento humano que falta em tantos lugares. À medida que as empresas competirem cada vez mais por confiança, a compaixão e o cuidado passarão a representar um papel importante.
Como Desmond Tutu disse uma vez, quando lhe perguntaram se era otimista ou pessimista: “Sou prisioneiro da esperança.” Ainda que o argumento ético tenha sido levantado muito tempo atrás, não podemos simplesmente esperar que o arco da história se curve sozinho na direção certa. Felizmente, o argumento econômico também é cada vez mais atraente: como mencionamos no livro, podemos estar sentados em cima da maior oportunidade de negócios de todos os tempos. Enquanto todos tentamos evitar outra pandemia ou um colapso dos sistemas, descobrimos cada vez mais que o custo da inação se torna significativamente maior do que o custo da ação. Diferentemente de quando começamos a jornada da Unilever baseados em convicção, agora temos a prova e o incentivo econômicos.
Ainda que o modelo da Unilever tenha tido sucessos e deficiências nos últimos dez anos, como é discutido amplamente neste livro, todos sabemos que precisamos nos mover mais rapidamente e avançar para mais longe. Uma abordagem de impacto positivo não somente prepara você para ser competitivo hoje. Mais importante, ela o posiciona para estar entre as empresas e os ramos de atividade vitoriosos no futuro. Ser líder é uma posição privilegiada, e não há nada mais gratificante do que aproveitá-la para servir aos outros e criar um mundo melhor para todos. Afinal de contas, a única jornada impossível é aquela que você jamais inicia.
– Abril de 2021
por Andrew
No início da pandemia, em 2020, enquanto mergulhávamos neste livro, fiz 50 anos e me aproximei da marca de vinte anos trabalhando com sustentabilidade corporativa. Eu me peguei olhando para trás e avaliando meu progresso ao longo do tempo. Na área pessoal, minha mulher e eu criamos dois garotos, um de 18 anos, que ainda engatinhava quando escrevi meu primeiro livro, Green to Gold, e outro nascido no dia em que o livro foi publicado, há quinze anos. Eles são os únicos que podem julgar até que ponto nós os ajudamos a se tornarem seres humanos compassivos que se importam com o mundo.
Pelo lado profissional é mais difícil avaliar. Minha missão é inspirar empresas a resolver nossos maiores desafios ambientais e sociais, não por filantropia, mas porque é um bom negócio. Penso no progresso no nível macro: será que, na luta para afastar o mundo empresarial da obsessão pelo lucro de curto prazo – e orientá-lo na direção de uma criação de valores com propósito, de longo prazo –, estamos vencendo?
Sim e não.
O número de empresas que se preocupam com o impacto ambiental e social que provocam vem crescendo rapidamente. Nenhuma grande empresa reclama que a sustentabilidade está na agenda. Nós vencemos a primeira batalha, mas restam grandes problemas. Nosso modelo econômico, que usa excessivamente os recursos naturais, encoraja o consumo desenfreado e derrama a riqueza em poucas mãos, está nos empurrando na direção de um penhasco. Os desafios globais que tentamos resolver (particularmente a mudança climática) estão ficando maiores. Não estamos avançando com rapidez suficiente.
Precisamos que as empresas façam muito mais do que simplesmente reduzir algumas emissões de carbono e ser menos danosas; o trabalho deve entrar num território de impacto positivo. Infelizmente, o número de líderes empresariais que internalizaram totalmente essa realidade é insignificante. O mundo precisa de líderes mais corajosos, dispostos a comprometer suas organizações para realizar mudanças profundas e servir ao mundo.
Uma vez um colega me perguntou: “Por que existem tão poucos Ray Andersons?”, referindo-se ao CEO da fabricante de tapetes Interface. Em 1994, Ray teve uma epifania: os negócios feitos do modo tradicional são um beco sem saída para o planeta. Assim, ele fez com que a empresa passasse a focar em eliminar todos os impactos negativos sobre o mundo. Foi um pioneiro e uma inspiração. Seu livro Mid-Course Correction foi o primeiro que li sobre o assunto. Mesmo assim eu disse ao meu amigo: será que também não deveríamos perguntar: “Por que existem tão poucos Paul Polmans?”
Por que Paul? Os primeiros líderes, como Ray, Yvon Chouinard, da empresa Patagonia, e o empreendedor Paul Hawken, começaram a jornada, mas comandavam principalmente empresas médias, de propriedade dos fundadores. Algumas empresas grandes, como a Walmart, estavam seguindo esse caminho, mas ninguém tinha experimentado fazer o que Paul estava tentando: tornar a sustentabilidade a missão central de uma empresa mundial, de capital aberto, com dezenas de bilhões de dólares em vendas. Paul estava totalmente voltado para isso. Como Ray, ele falava a verdade para outros CEOs e líderes mundiais, defendendo de forma incansável um modo fundamentalmente diverso de comandar uma empresa e enfatizando o fracasso dos negócios realizados do modo tradicional. Paul era impelido pelo senso de missão, mas também era focado no sucesso empresarial de longo prazo.
Eu adorei isso, e não estou sozinho. Uma pesquisa anual pede a especialistas que identifiquem empresas que estejam fazendo o melhor trabalho para integrar a sustentabilidade em sua estratégia. Durante onze anos seguidos, a Unilever foi a mais citada. É um nível notável de consistência em qualquer dimensão de desempenho empresarial. Algumas pessoas vão se posicionar contra o fato de uma empresa de bens de consumo ser citada como líder em sustentabilidade, alegando que ela produz um monte de coisas das quais não precisamos. Isso tem um fundo de verdade, mas, dada a escala dos nossos desafios, não podemos construir um mundo próspero sem empresas.
Precisamos de mais líderes dispostos a questionar o status quo e deveríamos celebrar aqueles que fazem isso. Espero que o mundo pare de idolatrar CEOs como Jack Welch, da GE, que tinha grande capacidade de execução mas valorizava os ganhos de curto prazo dos acionistas acima do planeta e das pessoas – um estilo de negócios em que demitir funcionários fazia o preço das ações subir, dominante durante décadas.
Na década de 2010 entrei para o conselho consultivo de sustentabilidade norte-americano da Unilever, de modo que não deixo de ser tendencioso. Mas tinha encontrado Paul apenas algumas vezes antes que ele e seu principal conselheiro de sustentabilidade, Jeff Seabright, me abordassem sobre escrevermos um livro juntos. Eu não tinha certeza se gostaria de publicar mais um livro sobre estratégia de sustentabilidade, mas esta seria uma oportunidade única de explorar o modo de desenvolver uma empresa que servisse ao mundo. Parte da história da Unilever já foi bem contada, mas ainda não pela perspectiva da pessoa que comandou a batalha. Impacto positivo não é somente sobre a Unilever, mas a experiência dessa empresa é a força motivadora. Meu trabalho foi acrescentar um ponto de vista externo, sintetizar, encontrar as estruturas dentro da história e torná-la acessível e fácil de ler.
No final das contas, a pergunta certa não é “Como criamos mais Paul Polmans?”. Não importa quanto celebremos os CEOs (e quanto paguemos a eles): nenhum líder pode desenvolver uma grande empresa sozinho. Se o sucesso se devesse exclusivamente à chefia, toda aula de MBA e todo livro sobre administração se concentraria apenas na liderança. As empresas também precisam de princípios, estratégias, táticas, parceiros e dos elementos intangíveis da cultura, do propósito e da inspiração. Cada organização é única, mas existem ideias e lições dos pioneiros que podem ajudar todas as empresas a melhorar. Este livro tenta fornecer um mapa e uma bússola, mas não pretende marcar a trilha com exatidão – cada um de nós precisa seguir o próprio caminho.
Meu objetivo com Impacto positivo é inspirar a comunidade empresarial a ir em frente, acelerar e ajudar a nos guiar para um mundo próspero. Espero que este trabalho e que as ondulações resultantes dele façam com que minha vida tenha um impacto positivo.
– Abril de 2021
PREFÁCIO
Vivemos tempos críticos que exigem ações urgentes. Inundações sem precedentes, secas, incêndios florestais e outros eventos climáticos extremos ameaçam o bem-estar da humanidade. Em nosso próprio quintal, o desmatamento da Amazônia bate recordes e pode levar a maior floresta tropical do planeta a um ponto de degradação sem volta. A desigualdade entre ricos e pobres é cada vez maior. Os últimos anos trouxeram ainda uma pandemia global e o questionamento dos princípios democráticos em muitos países. Os problemas que precisamos enfrentar não são poucos e se aprofundam.
Para lidar com esse mundo tão desafiador, temos que construir respostas coletivas. Somos todos interdependentes. Essa é a primeira das Crenças da Natura, escritas em 1992, quando decidimos deixar expresso que reconhecer e aperfeiçoar as relações é a base de tudo o que a nossa empresa pensa, faz e acredita. Mais do que viver, vivemos uns com os outros. Mais do que existir, coexistimos. E por isso é fundamental encontrar maneiras de trabalharmos juntos. Problemas sistêmicos exigem soluções construídas em rede – espaço de uma inteligência coletiva poderosa.
Por muito tempo as questões sociais e ambientais foram consideradas atribuições exclusivas de governos. Agora não mais. No mundo contemporâneo, as empresas têm um papel crucial no enfrentamento dos desafios comuns. Consumidores, investidores e colaboradores (especialmente os mais jovens) estão exigindo mais dos negócios a cada dia.
Não podemos nos contentar em obedecer ao que está previsto em leis ou promover melhorias incrementais. Os negócios têm que ir além da lógica de “fazer menos mal” e das promessas de ações em um futuro distante. Devem buscar soluções inovadoras e muitas vezes disruptivas, além de respeitar os limites dos recursos naturais do planeta e promover prosperidade de forma ampla.
Mais do que nunca, é tempo de agir. Precisamos buscar impactos positivos concretos, ajudando a regenerar nosso mundo, com base em um profundo respeito pela vida. Isso requer modelos de negócios e atitudes diferentes. Este livro é parte da resposta.
Os autores, o ex-CEO da Unilever Paul Polman, meu companheiro de tantos movimentos globais, como B Team e Global Compact, e o líder em sustentabilidade Andrew Winston, oferecem uma nova definição e um novo objetivo para os negócios: lucrar e crescer resolvendo – e não criando – problemas no mundo. Isso por si só é uma mudança fundamental em um sistema baseado na obsessão pelo valor de curto prazo para o acionista, critério predominante nos últimos cinquenta anos. Polman e Winston declaram essa filosofia morta e colocam uma questão crucial para os líderes empresariais: o mundo está melhor porque sua empresa faz parte dele?
Uma organização de impacto positivo, afirmam os autores, é aquela que melhora o bem-estar de todos que toca. Sente-se responsável por todos os impactos que gera, intencionais ou não. Atende a várias partes interessadas e cria valor para o acionista como resultado, não como objetivo principal. Adota uma visão de longo prazo da criação de valor e abraça a parceria.
A boa notícia, segundo os autores (e a Natura também é prova disso), é que está cada vez mais claro que empresas que se preocupam em resolver as questões do planeta e das pessoas têm maiores chances de prosperar. Necessidades criam oportunidades de geração de valor. A imprescindível transição para uma economia de baixo carbono, que valorize a vida, a equidade, a biodiversidade, talvez represente a maior oportunidade de negócios dos nossos tempos.
Essa visão do papel que as empresas devem desempenhar na sociedade é muito próxima daquela que perseguimos e em que acreditamos. Similar ao conceito de impacto positivo proposto no livro, a Natura, a seu modo e com outras palavras, sempre teve como razão de ser a criação de prosperidade compartilhada para toda a sua rede de relações, aliada ao respeito à natureza.
É hora de os negócios trabalharem não apenas para o próprio ganho, mas para ajudar, de fato, a construir um mundo melhor, mais saudável e mais justo para todos. As empresas são feitas por pessoas. Assim, a responsabilidade da mudança está nas mãos de cada um de nós: todos temos algo a fazer.
Como sociedade, precisamos ser dez vezes mais ousados e adotar uma prática de colaboração radical. É na dinâmica da relação entre setor privado, sociedade civil organizada, comunidades e governos que se estabelecem as condições para uma mudança efetiva. Ninguém muda nada sozinho.
Guilherme Leal,
cofundador da Natura & Co e empreendedor social
INTRODUÇÃO
Por que a maionese venceu o ketchup
A hostil proposta de aquisição que conta uma história mais profunda
No início de 2017 a Unilever passou por uma experiência de quase morte. A empresa estava no sétimo ano de sua estratégia ambiciosa, o Plano de Sustentabilidade da Unilever (USLP, na sigla em inglês), que torna o propósito e o enriquecimento da vida dos outros o elemento central da empresa. Ela estava fazendo um bom progresso em suas metas agressivas, inclusive dobrando as vendas enquanto cortava pela metade seu impacto ambiental e ajudava a melhorar a saúde e o bem-estar de um bilhão de pessoas. Com um pequeno punhado de outros líderes empresariais, a Unilever estava ajudando a redefinir o que significa ser uma boa empresa.
A estratégia estava dando certo. Depois de anos de crescimento fraco ou nulo, as receitas haviam aumentado em 33%, chegando a 60 bilhões de dólares, e as ações da empresa tinham tido um desempenho melhor do que o de suas concorrentes e do índice europeu FTSE, mais amplo. A Unilever é uma empresa enorme, realmente global, e se conecta com 2,5 bilhões de pessoas todos os dias através de uma das suas mais de trezentas marcas, entre elas Axe, Ben & Jerry’s, Clear, Dove, Hellmann’s (maionese), Knorr, Lifebuoy, Omo, Rexona e Suave. Como parte da estratégia do USLP, a empresa adquiriu dezenas de novas marcas, na maioria empresas impelidas por missão, e abriu mão de empresas mais lentas que não se encaixavam nessa visão.
Assim, quando Alexandre Behring, presidente da rival Kraft Heinz (mais conhecida por seu ketchup), foi visitar a sede da Unilever em Londres, o CEO Paul Polman (coautor deste livro) achou que Behring faria uma oferta por uma das empresas que estavam à venda. Mas a reunião tomou um rumo drasticamente diferente. Behring se ofereceu para adquirir toda a Unilever por 143 bilhões de dólares, 18% a mais do que o valor de mercado.1 Às vezes as aquisições hostis chegam com um sorriso. Mas mesmo assim são hostis e podem destruir a alma de uma empresa construída durante mais de um século.
A Kraft Heinz tinha sido adquirida apenas dois anos antes pela empresa brasileira de private equity 3G e pela Berkshire Hathaway, comandada pelo lendário investidor Warren Buffett. Os dois investidores estavam trabalhando juntos nesse negócio. A 3G nunca havia perdido uma oferta de aquisição, mas isso mudaria em apenas nove intensos dias.
A 3G era bem conhecida por cortar despesas para aumentar o lucro de curto prazo. Um artigo na revista Fortune descreveu o CEO da 3G, Jorge Paulo Lemann, como “o homem que come custos”.2 O setor de bens de consumo estava dividido entre os que corriam ao lado da Kraft Heinz para alavancar, cortar custos, aumentar as margens e pagar poucos impostos e os que, como disse o Financial Times, “reagiam com repugnância diante do que enxergavam como um modelo que, em última instância, destrói as empresas matando-as de fome de investimentos”.
Sendo empresas que vendiam produtos semelhantes, a Kraft Heinz e a Unilever jamais poderiam ter modelos de negócios mais diferentes. A 3G era um exemplo perfeito da primazia do acionista em ação. A Unilever estava decidida a atuar em benefício dos muitos grupos de pessoas tocadas pela empresa (suas partes interessadas) a serviço de um mundo melhor. Ela tem uma história de 140 anos de propósito, desde a missão original de melhorar a higiene na Inglaterra vitoriana.
Hoje o USLP honra e expande as raízes da empresa e representa um dos planos empresariais mais amplos e integrados do mundo. Ele conecta operações sustentáveis e equitativas ao desempenho e ao crescimento da empresa. O objetivo do USLP é o ganho financeiro por causa da sustentabilidade, e não apesar dela – não é o lucro com um pequeno acompanhamento de propósito, e sim o lucro através do propósito. No decorrer de muitos anos, a Unilever aprendeu que, sempre que faltava foco no propósito, o desempenho da empresa sofria as consequências. Assim, ser engolida por uma organização com uma missão incompatível seria algo potencialmente desastroso, tanto estratégica quanto financeiramente.
Os executivos da Unilever ganhariam um monte de dinheiro com esse negócio, mas o abismo entre as estratégias e os valores da 3G e os da Unilever tornava a oferta inaceitável. O modelo de negócios da Unilever era importante demais para ser posto nas mãos de pessoas que não tinham interesse na criação de valores de longo prazo. Era nítido o que acontecia com empresas compradas pela 3G. Organizações que faziam um ótimo trabalho – como a líder do ramo de bebidas SABMiller, através de seus projetos de água e direitos humanos na África – foram espremidas na prensa do corte de gastos da 3G. Várias pessoas que escaparam das aquisições feitas pela 3G tinham procurado a Unilever em busca de trabalho numa empresa com propósito.
Nesse momento crucial, os líderes da Unilever não estavam imunes ao apelo do controle de custos e do crescimento dos lucros. Eles acreditavam fortemente no desempenho e na eficiência nos negócios, mas também sabiam que não é possível pegar um atalho para a prosperidade. Cortar pessoas, pesquisa e desenvolvimento ou gastos com marcas só para dar aos investidores uma injeção de margens mais altas era uma receita para o desastre mais tarde. Os líderes da Unilever acreditavam que, usando o modelo de negócios que eles conheciam melhor, poderiam desbloquear mais valor a longo prazo do que a 3G seria capaz de fazer. Eles se apoiariam no propósito, continuariam a investir no futuro e a melhorar os números iniciais e finais das demonstrações financeiras (algo que já tinham feito por sete anos seguidos).
Foi um momento estressante, sob uma pressão intensa para vender a empresa. Paul, que não queria ser a pessoa que entregaria uma empresa de 100 anos, responsável, para uma companhia como a 3G, só conseguia pensar: Comigo aqui, não. Para rejeitar a proposta, a Unilever precisava do apoio de amigos e agir rapidamente.