Prefácio
O Mestre da Sensibilidade faz parte da coleção Análise da Inteligência de Cristo. Embora haja inter-relação entre os livros, eles podem ser lidos separadamente, sem obedecer a uma sequência.
O Mestre da Sensibilidade teve sua existência pautada por desafios, perdas, frustrações e sofrimentos de toda ordem. Ele tinha todos os motivos para sofrer de depressão durante sua trajetória de vida, mas não a manifestou; pelo contrário, era alegre e seguro no território da emoção. Tinha também todos os motivos para ter ansiedade, mas não a demonstrou; pelo contrário, era tranquilo, lúcido e sereno. Todavia, no Getsêmani, expressou que sua alma estava profundamente triste. O que ele vivenciou naquele momento: depressão ou uma reação depressiva momentânea? Qual a diferença entre esses dois estados? Quais foram os procedimentos que Cristo adotou para administrar seus pensamentos e superar sua dramática angústia?
Jesus disse: “Pai, se possível, afaste de mim este cálice, mas não faça como eu quero, mas como tu queres!” (Mateus 26:39). Ele hesitou diante da sua dor? Alguns veem naquele pedido de Cristo recuo e hesitação. Todavia, se estudarmos detalhadamente seu comportamento, compreenderemos que ele proferiu, naquela noite densa e fria, a mais bela poesia de liberdade, resignação e autenticidade.
Estava plenamente consciente do cálice que iria beber. Seria espancado, açoitado, zombado, cuspido; teria uma coroa de espinhos cravada na cabeça e, por fim, passaria seis longas horas na cruz até a sua falência cardíaca.
A psicologia e a psiquiatria têm muito a aprender com os pensamentos e reações que o mestre expressou ao longo de sua história, principalmente nos seus últimos momentos. Diante das mais dramáticas situações, ele demonstrou ser o Mestre dos Mestres da escola da vida. Os sofrimentos, em vez de abatê-lo, expandiam sua sabedoria. As perdas, em vez de destruí-lo, refinavam-lhe a arte de pensar. As frustrações, em vez de desanimá-lo, renovavam-lhe as forças.
A missão, propósito ou objetivo de Jesus Cristo é impressionante. Não queria apenas colocar os seres humanos numa escola de sábios, mas também imergi-los na eternidade. Ele os valorizava ao máximo, por isso nunca desistia de ninguém, por mais que o frustrassem. Sob seu cuidado afetivo, as pessoas começaram a contemplar a vida por outra perspectiva.
Investigar a personalidade de Jesus Cristo nos fará assimilar mecanismos para expandir nossa qualidade de vida e prevenir as mais insidiosas doenças psíquicas da atualidade: a depressão, a ansiedade e o estresse.
Augusto Jorge Cury
Introdução
Este livro, como os outros desta coleção, não é sobre religião, não é um estudo teológico, mas uma análise psicológica da humanidade de Cristo. Embora não trate de teologia, provavelmente abordarei detalhes ainda não investigados teologicamente.
Podemos investigar grandes pensadores como Platão, Montesquieu, Descartes, Marx, Max Weber, Adam Smith, Hegel, Freud, Jung, Darwin. Todavia, ninguém foi tão complexo, interessante, misterioso, intrigante e de difícil compreensão como Cristo. Como veremos, ele não apenas causou perplexidade nas pessoas mais cultas da sua época como ainda hoje seus pensamentos e intenções são capazes de perturbar a mente de qualquer um que queira estudá-lo em profundidade e sem julgamentos preconcebidos.
Jesus incendiou o mundo com sua vida e sua história. Há mais de dois bilhões de pessoas que dizem amá-lo, pertencentes a inúmeras religiões. Todavia, não se pode amar alguém que não se conheça. E não é possível conhecer adequadamente Jesus Cristo sem estudar os últimos dias de sua vida, pois ali estão contidos os segredos de sua complexa missão, bem como os mais dramáticos elementos que constituíram o seu cálice, o seu sofrimento.
Ele usou cada segundo do seu tempo, cada pensamento da sua mente e cada gota do seu sangue para mudar o destino não apenas do povo judeu, mas de toda a humanidade. Ninguém foi como ele.
Fez milagres espantosos, aliviou a dor de todas as pessoas que o procuraram ou que cruzaram o seu caminho, mas, quando precisou aliviar sua própria dor, agiu com naturalidade, esquivou-se de usar o seu poder.
O Mestre da Vida afirmou categoricamente: “Foi precisamente para esta hora que eu vim” (João 12:27). Seu objetivo fundamental seria cumprido nos últimos momentos de sua história. Portanto, se quisermos conhecê-lo profundamente, precisamos imergir no conteúdo dos pensamentos e sentimentos que ele expressou antes de ser preso, julgado e sofrer morte clínica. Eles revelam seus mais complexos e importantes segredos.
Embora esta obra tenha significativas limitações, meu desejo é que ela seja de grande ajuda para os que admiram e amam esse personagem cuja existência na Terra remonta a dois mil anos. Entretanto, ressalto que este livro não foi escrito apenas para os cristãos, mas para pessoas pertencentes a todo tipo de cultura e religião: judeus, budistas, islamitas, etc. Ele é dirigido também aos ateus, pois estes igualmente têm direito de estimular a sua inteligência a partir das nobilíssimas funções intelectuais do mestre de Nazaré.
A respeito do ateísmo, devo dizer que, depois de ter estudado sua dimensão psíquica e filosófica, posso afirmar que não há ateu, pois todo ateu é o “deus de si mesmo”. Por quê? Porque, apesar de desconhecerem inúmeros fenômenos da existência – tais como os mistérios do Universo, os segredos do tempo e da construção da inteligência humana –, os ateus possuem a crença de que Deus não existe da forma absoluta que só um “deus” poderia assumir. Todo radicalismo intelectual engessa a inteligência e fere o bom senso.
Gostaria de convidar todos os leitores – ateus ou não, religiosos ou não – para estudarmos juntos a personalidade daquele que revolucionou a trajetória humana, expressa nas suas quatro biografias, que são os evangelhos.
Embora excelentes escritores já tenham discorrido sobre diversos aspectos da vida de Jesus Cristo, neste estudo raramente usarei alguma de suas referências. Minha intenção é voltar às origens e realizar uma análise a partir do que Cristo falou, ensinou, discursou, manifestou e deixou subentendido nas entrelinhas dos seus pensamentos e nos seus momentos de silêncio. Estudá-lo é uma aventura que todos os seres pensantes deveriam empreender.
O objetivo do surpreendente mestre de Nazaré era romper o cárcere intelectual dos seres humanos estimulando-os a serem livres no território da emoção. Por isso, expunha suas ideias e nunca as impunha. Há dois mil anos apareceu um homem convidando as pessoas a pensarem nos mistérios da vida.
Cada leitor tem suas convicções pessoais que devem ser exercidas com liberdade e consciência crítica. A divindade de Cristo é uma dessas convicções. Entretanto, ainda que não se aceite a sua divindade, a personalidade do mestre de Nazaré é de tal forma envolvente, que é possível extrair dela sabedoria e belíssimas lições existenciais.
Em muitos pontos discorrerei sobre fenômenos não observáveis presentes nos discursos finais de Cristo, tais como a superação da morte, a eternidade, os limites do tempo, o seu poder sobrenatural. No entanto, quero que o leitor tenha em mente que, ao estudá-los, não estarei investigando os itens relacionados à fé ou às convicções íntimas, mas aos intrigantes fenômenos ligados ao seu plano transcendental.
Cristo vem da palavra grega Mashiah (Messias), que significa “o ungido”. Jesus vem da forma grega e latina do hebraico Jeshua, que significa “o Senhor é a salvação”. Usarei os nomes Cristo, Jesus e mestre de Nazaré despreocupadamente, sem a intenção de explorar os significados de cada um. Apenas em alguns momentos darei preferência específica a um ou a outro e, quando o fizer, o próprio texto deixará clara minha intenção.
Muitos leitores do primeiro livro desta coleção me enviaram e-mails e cartas dizendo que, após a leitura, abriram as janelas de suas mentes e ficaram surpresos com a personalidade de Cristo. Acredito que neste segundo livro ficaremos mais encantados e até perplexos com a ousadia e a complexidade dos pensamentos do mestre de Nazaré, muitos deles produzidos no auge da sua dor.
Embora este livro seja um estudo de filosofia e psicologia, o leitor encontrará, no correr do texto, referências a trechos do Antigo e do Novo Testamento, com indicação do autor, do capítulo e do versículo em que se encontram. Sugiro que, independentemente de sua crença, você tenha uma Bíblia ao alcance da mão. A leitura desses textos no quadro mais amplo em que se apresentam promoverá um conhecimento maior dessa figura única e fascinante que, com suas palavras, seus gestos e atitudes, revolucionou o mundo e o espírito humano.
CAPÍTULO 1
A maturidade revelada no caos
É fácil reagirmos e pensarmos com lucidez quando o sucesso bate à nossa porta, mas é difícil conservarmos a serenidade quando as perdas e as dores da existência nos invadem. Muitos, nessas situações, revelam irritabilidade, intolerância e medo. Se quisermos observar a inteligência e a maturidade de alguém, não devemos analisá-las nas primaveras, mas nos invernos de sua existência.
Muitas pessoas, incluindo intelectuais, comportam-se com elegância quando o mundo as aplaude, mas perturbam-se e reagem impulsivamente quando os fracassos e os sofrimentos cruzam as avenidas de suas vidas. Não conseguem superar suas dificuldades nem sequer extrair lições das intempéries.
Houve um homem que não se abalava ao ser contrariado. Jesus não se perturbava quando seus seguidores não correspondiam às suas expectativas. Diferentemente de muitos pais e educadores, ele usava cada erro e dificuldade dos seus íntimos não para acusá-los e diminuí-los, mas para que revissem suas próprias histórias. O mestre da escola da vida não estava muito preocupado em corrigir os comportamentos exteriores dos mais próximos, mas empenhado em estimulá-los a pensar e a expandir a compreensão dos horizontes da vida.
Era amigo íntimo da paciência. Sabia criar uma atmosfera agradável e tranquila, mesmo quando o ambiente à sua volta era turbulento. Por isso dizia: “Aprendei de mim, pois sou manso e humilde…” (Mateus 11:29).
Sua motivação era sólida. Tudo ao seu redor conspirava contra ele, mas absolutamente nada abatia seu ânimo. Ainda não havia passado pelo caos da cruz. Sua confiabilidade era tão firme que de antemão proclamava a vitória sobre uma guerra que ainda não tinha travado e que, pior ainda, enfrentaria sozinho e sem armas. Por isso, apesar de ser ele quem devia receber conforto de seus discípulos, ainda conseguia reunir forças para animá-los momentos antes de sua partida, dizendo: “Tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João 16:33).
Muitos psiquiatras e psicólogos demonstram lucidez e coerência quando discorrem sobre os conflitos dos seus pacientes, mas, ao tratarem dos seus próprios conflitos, perdas e fracassos, não poucos têm sua estrutura emocional abalada e fecham as janelas da sua inteligência. Nos terrenos sinuosos da existência é que a lucidez e a maturidade emocional são testadas.
Ao longo da minha experiência como profissional de saúde mental e como pesquisador da psicologia e da educação, fiquei convencido de que não existem gigantes no território da emoção. Podemos liderar o mundo, mas temos enorme dificuldade em administrar nossos pensamentos nos focos de tensão. Muitas vezes nossos comportamentos são descabidos, desnecessários e ilógicos diante de determinadas frustrações.
O mestre da escola da vida sabia das limitações humanas, sabia o quanto é difícil gerenciar nossas reações nas situações estressantes. Tinha consciência de que facilmente erramos e nos punimos ou punimos os outros. Entretanto, ele queria de todo modo aliviar o sentimento de culpa que esmaga a emoção e criar um clima tranquilo e solidário entre os seus discípulos. Por isso, certo dia, ensinou-lhes a se interiorizarem e orarem, dizendo:
“Perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos aqueles que nos têm ofendido” (Mateus 6:12).
Quem vive sob o peso da culpa fere continuamente a si mesmo e torna-se seu próprio carrasco. Mas quem é radical e excessivamente crítico dos outros transforma-se num “carrasco social”. Na escola da vida não há graduação. Quem se sente “diplomado” faz perecer sua criatividade, pois vai perdendo a capacidade de ficar assombrado com os mistérios que a norteiam. Tudo se torna comum para ele, nada havendo que o anime e o instigue. Na escola da vida, o melhor aluno não é aquele que tem consciência de quanto sabe, mas de quanto não sabe. Não é aquele que proclama a sua perfeição, mas o que reconhece suas limitações. Não é aquele que proclama a sua força, mas o que educa a sua sensibilidade.
Todos nós passamos por momentos de hesitação e insegurança. Não há quem não sinta medo e ansiedade em determinadas situações. Não há quem não se irrite diante de certos estímulos. Possuímos fragilidades. Só não as enxerga quem não é capaz de viajar para dentro de si mesmo. Uns derramam lágrimas úmidas; outros, secas. Uns exteriorizam seus sentimentos; outros, numa atitude inversa, os represam. Alguns, ainda, superam com facilidade determinados estímulos estressantes, parecendo inabaláveis, mas tropeçam em outros aparentemente banais.
Diante da sinuosidade da vida, como podemos avaliar a sabedoria e a inteligência de alguém? Quando o sucesso lhe bate à porta ou quando enfrenta o caos?
É fácil mostrar serenidade quando nossas vidas transcorrem como um jardim tranquilo; difícil é quando nos defrontamos com as dores da vida. Os estágios finais da vida de Cristo foram pautados por sofrimentos e aflições. Teria ele conservado seu brilho intelectual e emocional em meio a tão causticantes intempéries?
O mestre brilhou na adversidade: uma síntese das funções da sua inteligência
No primeiro livro estudamos a inteligência insuperável de Cristo. Ele não frequentou escola, era um simples carpinteiro, mas, para nossa surpresa, expressou as funções mais ricas da inteligência: era um especialista na arte de pensar, na arte de ouvir, na arte de expor e não impor ideias, na arte de refletir antes de reagir. Era um maestro da sensibilidade e um agradável contador de histórias. Sabia despertar a sede do saber das pessoas, vaciná-las contra a competição predatória e contra o individualismo, estimulá-las a pensar e a desenvolver a arte da tolerância e da cooperação. Além disso, era alegre, tranquilo, brando, lúcido, coerente, estável, seguro, sociável e, acima de tudo, um poeta do amor e um excelente investidor em sabedoria nos invernos da vida.
Cristo foi visto ao longo dos séculos como um sofredor que morreu na cruz. Tal conceito é pobre e superficial. Temos de analisar Jesus Cristo na sua grandeza. Em um único parágrafo listei vinte características notáveis da sua inteligência. Quem na história manifestou as características do mestre de Nazaré? Raramente alguém reúne meia dúzia dessas características em sua própria personalidade. Elas são universais e por isso foram buscadas de forma incansável pelos intelectuais e pensadores de todas as culturas e sociedades.
Apesar de Cristo ter possuído uma complexa e rica personalidade, dificilmente alguém fica à vontade para falar dele em público, porque há sempre o receio de ser vinculado a uma religião. Entretanto, é necessário discorrer sobre ele de maneira aberta, desprendida e inteligente. Aquele que teve a personalidade mais espetacular de todos os tempos merece um estudo à altura de sua importância. Porém, infelizmente, até nas escolas de filosofia cristã sua vida e sua inteligência são pouco investigadas; quando muito, são apresentadas nas aulas de ensino religioso.
Há pouco tempo, minha filha mais velha mostrou-me um livro de história geral. Por incrível que pareça, ali se resume em apenas uma frase a vida daquele que foi o marco divisório da história da humanidade. Como isso é possível? O texto relata apenas que Jesus nasceu em Belém, na época do imperador romano Augusto, e morreu na época de Tibério. Nem os livros de história o honram.
A superficialidade com que Jesus Cristo foi tratado ao longo do tempo, bem como outros homens que brilharam por sua inteligência, é um dos motivos que conduzem os jovens de hoje a não crescerem como pensadores.
Os educadores não têm conseguido reproduzir o brilho da sabedoria de Cristo. Não conseguem inseri-lo nas aulas de história, de filosofia, de psicologia. São tímidos e reprimidos, não conseguem propor aos alunos uma discussão sobre Jesus, não sob o aspecto religioso, mas ressaltando a sua humanidade e sua complexa personalidade. Eu realmente creio que, mesmo numa escola que despreze qualquer valor espiritual, como ocorre na Rússia, o ensino sistemático da história de Cristo poderia revolucionar a maneira de pensar dos alunos.
Se até mesmo nas escolas que seguem as filosofias budista, hinduísta, islamita e judia fossem estudadas as características fundamentais da inteligência do mestre de Nazaré pelos alunos do ensino fundamental, médio e universitário, haveria mais condições de formar pensadores, poetas da vida, pessoas capazes de irrigar a sociedade com solidariedade e sabedoria.
Uma crise na formação de pensadores no terceiro milênio
Uma importante pesquisa que realizei com mais de mil educadores de centenas de escolas apontou que 97% deles consideram que as características da inteligência vividas e ensinadas exaustivamente pelo mestre de Nazaré são fundamentais para a formação da personalidade humana. Entretanto, para nosso espanto, mais de 73% dos educadores relataram que a educação clássica não tem conseguido desenvolver tais funções. Isso indica que a educação, apesar de conduzida por professores dedicados, verdadeiros heróis anônimos, atravessa uma crise dramática.
A educação, portanto, pouco tem contribuído para o processo de formação da personalidade e para a arte de pensar. A escola e os pais estão perdidos e confusos quanto ao futuro dos jovens.
No VII Congresso Internacional de Educação ministrei uma conferência sob o título “O funcionamento da mente e a formação de pensadores no terceiro milênio”. Na ocasião, comentei com os educadores que no mundo atual, apesar de terem se multiplicado as escolas e as informações, não aumentamos na mesma proporção a formação de pensadores. Estamos na era da informação e da informatização, mas as funções mais importantes da inteligência não estão sendo desenvolvidas.
Ao que tudo indica, as pessoas do século XXI serão menos criativas do que as do século XX. Há no ar um clima que denuncia que os seres do futuro serão repetidores de informações, e não pensadores. Serão pessoas com mais capacidade de dar respostas lógicas, porém menos capazes de dar respostas para a vida, ou seja, com menos capacidade de superar seus desafios, de contemplar o belo, de lidar com suas dores, enfrentar as contradições da existência e perceber os sentimentos mais ocultos nos outros. Infelizmente, terão dificuldade de proteger a sua emoção e estarão propensas a se expor a doenças psíquicas e psicossomáticas.
A culpa não está nos professores. Eles desenvolvem um trabalho estressante e, apesar de nem sempre terem salários dignos, ensinam frequentemente como poetas da inteligência. A culpa está no sistema educacional que se arrasta por séculos, que se baseia em teorias que compreendem pouco tanto o funcionamento multifocal da mente humana como o processo de construção dos pensamentos. Por isso, enfileira os alunos nas salas de aula e os transforma em espectadores passivos do conhecimento, e não em agentes modificadores da sua história pessoal e social.
O mestre de Nazaré queria produzir pessoas que se interiorizassem e fossem ricas e ativas nos bastidores da inteligência. Entretanto, vivemos numa sociedade que valoriza os aspectos exteriores dos seres humanos. A competição predatória, a paranoia da estética e a paranoia do consumismo têm ferido o mundo das ideias, dificultando o processo de interiorização e a busca de um sentido mais nobre para a vida.
Invertemos os valores: a embalagem vale mais que o conteúdo, a estética, mais que a realidade. O resultado disso? Infelizmente está nos consultórios de psiquiatria e de clínica médica. A depressão, os transtornos ansiosos e as doenças psicossomáticas ocuparão os primeiros lugares entre as doenças do século XXI. Por favor, não vamos atribuir a culpa por esses transtornos psíquicos à famosa serotonina contida no metabolismo cerebral. Precisamos ter visão multifocal e perceber que há importantes causas psíquicas e psicossociais na base deles.
Os jovens, assim como os adultos, não aprendem a viver a vida como um espetáculo grandioso. Não se alegram por pertencerem a uma espécie que possui o maior de todos os espetáculos naturais, o da construção de pensamentos. Como é possível um ser humano – tanto um intelectual quanto alguém desprovido de qualquer cultura acadêmica – conseguir em milésimos de segundo acessar a memória e, em meio a bilhões de opções, resgatar as informações que constituirão as cadeias de pensamentos? Você não fica pasmo com a mente humana? Eu fico assombrado com a construção da inteligência. É possível nos encantarmos ao percebermos complexidade até na inteligência de uma criança com deficiência mental ou autista.
Na minha experiência com crianças autistas cujo córtex cerebral está preservado constato que, quando estimulamos os fenômenos que constroem os pensamentos, muitas desabrocham para a convivência social como flores que recusam a solidão e querem pertencer a um jardim. Quem não é capaz de se encantar com o espetáculo dos pensamentos nunca penetrou em áreas mais profundas do próprio ser.
Os pensamentos mais débeis que produzimos são, ainda que não o percebamos, construções complexas. Tão complexas, que a psicologia ainda se considera uma “ciência infantil” ao procurar compreender os fenômenos ligados a elas.
Quem é incapaz de contemplar a vida também não consegue homenageá-la a cada manhã. Não consegue acordar e exclamar: “Que bom! Estou vivo. Posso viver o espetáculo da vida por mais um dia!” Quantas vezes olhamos para o universo e declaramos que, embora sejamos tão pequenos, afundados em tantas dificuldades e tantos erros, somos seres únicos e exclusivos. Seres que pensam e têm consciência da própria existência. Cristo vivia a vida como um espetáculo. O tédio não fazia parte da sua história.
Contrapondo-se às sociedades modernas
O mestre de Nazaré tinha posições contrárias às das sociedades modernas. Ele provocava a inteligência das pessoas que o circundavam e as arremetia para dentro de si mesmas. Conduzia-as a viver a vida como um espetáculo de prazer e de inteligência. A sua presença animava o pensamento e estimulava o sentido da vida. Um dia, apontando para um deficiente físico, algumas pessoas, querendo saber o motivo daquela deficiência, perguntaram-lhe: “Quem pecou, ele ou seus pais?” (João 9:2).
Aquelas pessoas esperavam que Jesus dissesse que a deficiência se devia a um erro que aquele homem ou seus pais haviam cometido no passado. Tais pessoas estavam escravizadas pelos binômios certo/errado, erro/punição. Mas, para surpresa delas, ele disse uma frase de difícil interpretação: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas a deficiência é para que nele seja manifestada a glória de Deus” (João 9:3).
Aparentemente eram palavras estranhas, mas por meio delas Jesus colocou as dores da existência em outra perspectiva. Todos nós abominamos os sofrimentos e as dificuldades da vida. Procuramos bani-los a qualquer custo de nossas histórias. Entretanto, o mestre da escola da vida queria dizer que o sofrimento deve ser trabalhado e superado no âmago do espírito e da alma. Tal superação produzirá algo tão rico dentro da pessoa deficiente que a sua limitação se tornará uma “glória para o Criador”. De fato, as pessoas que superam as suas limitações físicas e emocionais (depressão, síndrome do pânico, etc.) ficam mais bonitas, exalam um perfume de sabedoria que anuncia que a vida vale a pena ser vivida, mesmo com suas turbulências.
Jesus queria expressar que era possível ter deficiências e dificuldades e, ainda assim, experimentar a vida como um espetáculo de prazer. Um espetáculo que somente pode ser vivido por aqueles que sabem caminhar dentro de si mesmos e se tornam agentes transformadores de sua história.
A lógica do mestre tem fundamento
Do ponto de vista psiquiátrico, o mestre estava coberto de razão, pois se transformamos as pessoas que sofrem em pobres miseráveis, em vítimas da vida, destruímos a sua capacidade de criar e de transcender as próprias dores. Transformar um paciente numa pobre vítima de sua depressão é um dos maiores riscos da psiquiatria. A pessoa que enfrenta com inteligência e crítica a sua depressão tem muito mais chance de superá-la. Aqueles que sentem medo da dor têm mais dificuldade em se curar e mais chance de ficar dependentes do seu terapeuta.
Nos dias atuais, as pessoas, principalmente os jovens, não sabem lidar com suas limitações, não sabem o que fazer com suas dores e frustrações. Muitos querem que o mundo gravite em torno deles mesmos. Têm grande dificuldade de enxergar algo além das próprias necessidades. Nesse ambiente, a alienação social, a busca do prazer imediato, a agressividade e a dificuldade de se colocar no lugar do outro se cultivam amplamente. Diante dessas características, a educação não os atinge e, portanto, não rompe a rigidez intelectual em que se encontram. Somente uma revolução na educação pode reverter esse quadro.
Os anos que os alunos passam sentados passivamente nas salas de aula no ensino fundamental são suficientes para causar um rombo no processo de formação de suas personalidades. Eles nunca mais conseguirão, sem um custo emocional alto, levantar a mão em público e expor suas dúvidas. O fato de os alunos não serem colocados como agentes ativos do processo educacional trava a criatividade e a liberdade de expressão dos pensamentos, e isso prossegue na universidade e mesmo durante o mestrado e o doutorado.
Uma das características fundamentais de Cristo era a capacidade de transformar os seus seguidores em pessoas ativas, dinâmicas, com habilidade para expressar seus sentimentos e pensamentos. Ele não queria um grupo de pessoas passivas, tímidas, com a personalidade anulada. A cada momento ele instigava a inteligência dos que o cercavam e procurava libertá-los do seu cárcere intelectual. Os textos das suas biografias são claros. Jesus ensinava perguntando, instigando a inteligência e procurando romper toda timidez e toda distância. Não gostava de se exaltar. Embora fosse reconhecido como o filho de Deus, cruzava a sua história com as dos mais próximos e os tomava como seus amados amigos.