Nota do autor
Este é um livro sobre a importância da conexão humana, o impacto oculto da solidão na saúde e o poder social da comunidade. Como médico, eu me senti na obrigação de abordar essas questões por causa do ônus físico e emocional provocado pela desconexão social que percebi aumentar em toda a sociedade nas últimas décadas. O que eu não tinha como prever, porém, era o teste sem precedentes que a comunidade global estaria enfrentando quando a primeira edição do livro fosse impressa.
Nas primeiras semanas de 2020, a pandemia de covid-19 transformou o contato físico em uma ameaça potencialmente mortal. O novo coronavírus estava à solta, como um perseguidor invisível, e qualquer um dos nossos semelhantes podia ser seu portador. De uma hora para a outra, chegar perto de alguém o suficiente para dividir o mesmo ar virou sinônimo de perigo. A regra da saúde pública foi clara: para salvar vidas, seria preciso aumentar radicalmente a distância entre nós.
Escrevo estas palavras em plena pandemia. Com profissionais de saúde correndo perigo, equipamentos hospitalares escassos e taxas de mortalidade aumentando a cada dia por causa do novo coronavírus, governos de todo o mundo decretaram o “distanciamento social”. Também fecharam as escolas e a maioria das empresas, e ordenaram que todos, exceto os prestadores de serviços essenciais, ficassem em casa. As equipes de paramédicos, os profissionais de saúde e da área de alimentação, e todos que precisam continuar trabalhando para nos proteger estão arriscando a própria vida. Eles nos lembram de quanto dependemos uns dos outros.
A reação dos pais de crianças pequenas, como eu e a minha esposa Alice, foi parar de levar os filhos para brincar com os amiguinhos. As clínicas geriátricas proibiram as visitas, pois os idosos são mais vulneráveis à contaminação desse vírus. Os noivos precisaram adiar cerimônias de casamento havia muito planejadas. Grande parte das atividades de socialização que todos encaramos como algo natural – shows, jogos de futebol, sessões de cinema e refeições com amigos, interações no escritório e missas – de repente ficou em suspenso.
No início, parecia que, além do distanciamento físico, a pandemia levaria inevitavelmente ao isolamento social. Se não podíamos nos encontrar, como entraríamos em contato? Se não podíamos compartilhar o mesmo espaço, como ajudaríamos uns aos outros? Se não podíamos nos tocar, como amar? Até a expressão distanciamento social parecia nos condenar à solidão.
Mas houve também a questão da confiança. O medo da contaminação e o pânico em relação às possíveis consequências econômicas levaram muita gente a ignorar as ordens oficiais e estocar provisões de emergência. Junto com a ameaça iminente de uma recessão financeira global surgiu a perspectiva igualmente perturbadora de uma recessão social – um desgaste dos laços comunitários que se intensifica à medida que aumenta o tempo sem interação humana.
Com o prolongamento da pandemia, no entanto, fica cada vez mais claro que distanciamento social é um termo impróprio. Por garantia, devemos praticar o distanciamento físico para impedir a propagação da covid-19, mas socialmente podemos sair dessa crise nos sentindo mais próximos do que nunca dos nossos amigos e familiares.
Ao enfrentarmos essa crise juntos, todos os dias surgem novos exemplos de engenhosidade como comunidade. Na Itália, um dos países mais afetados pela pandemia, vizinhos isolados em suas casas encontraram conforto cantando das janelas em uníssono. Na China, pacientes confinados em quarentena começaram a dançar quadrilha para levantar o ânimo enquanto se recuperavam da doença. No mundo inteiro, famílias, amigos e estranhos protagonizaram atos de generosidade, levando mantimentos para doentes e idosos, mantendo contato com os vizinhos vulneráveis e compartilhando atualizações sobre todo tipo de coisa local – desde o horário de funcionamento do supermercado até a disponibilidade de papel higiênico (quem diria que o papel higiênico seria uma mercadoria tão valiosa em uma pandemia!).
Por sorte, atualmente a tecnologia nos oferece a possibilidade de fortalecer as nossas conexões de maneira remota. A pandemia está inspirando a criatividade on-line, com artistas dançando e cantando juntos por meio de vídeos caseiros. As famílias usam aplicativos de videoconferência para comemorar aniversários. O público desfruta de apresentações de ópera ao vivo transmitidas pela internet, e os alunos – desde crianças do jardim de infância a candidatos a doutorado – se reúnem em aulas on-line. Na medida em que aprendemos a brincar, trabalhar e colaborar virtualmente, ajudamos uns aos outros a afastar a solidão e relembramos quanto somos fundamentais para a resiliência mútua.
É incrível notar que muitas das lições que aprendi enquanto escrevia este livro agora têm relevância imediata. Ao intensificar as conexões sociais, fortalecemos as comunidades e protegemos uns aos outros. Quatro estratégias-chave nos ajudarão não só a superar essa crise, mas também a curar futuramente a nossa sociedade.
-
- Reserve um tempo para estar diariamente com quem você ama. Isso não se limita às pessoas do seu núcleo Procure também conversar com as outras pessoas que fazem parte da sua vida. Pode ser por telefone ou, melhor ainda, por videoconferência, para poder ouvir a sua voz e ver o seu rosto. Dedique pelo menos 15 minutos por dia para se conectar com as pessoas que mais ama.
- Concentre-se no outro. Tente eliminar as distrações ao interagir com as outras pessoas. Pare de tentar fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo e ofereça ao outro sua total atenção, se possível, mantendo contato visual e ouvindo verdadeiramente.
- Abrace a solitude. O primeiro passo para estabelecer conexões mais fortes com os outros é construir uma conexão mais forte consigo mesmo. A solitude ajuda a fazer isso, pois nos permite compreender melhor os nossos sentimentos e pensamentos, libera a nossa criatividade e nos aproxima da natureza. Meditação, oração, arte, música e atividades ao ar livre podem ser boas fontes de conforto e alegria mesmo quando a pessoa não está acompanhada.
- Dê e receba ajuda. A contribuição para o bem-estar dos outros é uma forma de conexão humana que relembra o valor e o propósito que temos na vida. Tanto dar quanto receber fortalece os laços sociais, portanto manter contato com o vizinho, pedir conselhos e até um simples sorriso para um estranho a dois metros de distância já nos tornam mais fortes.
Tive um mentor na faculdade que parava e respirava fundo antes de entrar no quarto de um paciente. Ele usava aqueles poucos segundos para se lembrar de como estava grato pela chance de ajudar alguém a se curar. Hoje, todos nós compartilhamos essa oportunidade. Os relacionamentos saudáveis são tão essenciais quanto as vacinas e os ventiladores mecânicos para a nossa completa recuperação.
Esta pandemia não é o primeiro evento, e não será o último, a testar as nossas conexões sociais, mas é raro que o mundo inteiro enfrente um desafio tão sério simultaneamente. Apesar de todas as nossas diferenças, a experiência compartilhada é por si só um vínculo. Essa memória em comum nos acompanhará pelo resto da vida. Se, daqui para a frente, aprendermos a conviver melhor em sociedade, não vamos apenas sobreviver a essa crise. Vamos prosperar.
Março de 2020
Prefácio
No dia 15 de dezembro de 2014, iniciei meu mandato como o 19o cirurgião geral dos Estados Unidos. Achei que meu foco como “médico da nação” englobaria problemas como obesidade, doenças relacionadas ao tabagismo, doenças mentais e doenças evitáveis por meio de vacinação. Foi o que eu disse ao Senado dos Estados Unidos nas audiências de confirmação que aconteceram dez meses antes, e havia muitos dados confirmando essas áreas como alvos importantes. No entanto, o cargo de cirurgião geral, que supervisiona mais de 6 mil oficiais do Corpo Comissionado do Serviço de Saúde Pública em todo o governo dos Estados Unidos e é encarregado de proteger, promover e melhorar a saúde da nação, envolve grandes expectativas. Por mais de um século, os médicos que ocuparam esse cargo enfrentaram crises nacionais de saúde que envolveram desde surtos de febre amarela e gripe, problemas em decorrência de furacões e tornados, até os ataques terroristas do 11 de Setembro. Ao longo das últimas décadas, o médico da nação se tornou a voz mais confiável dos Estados Unidos em relação a questões de saúde pública, como o tabagismo e a aids. Para mim, era importante que os problemas escolhidos como prioridades também fossem aqueles que mais preocupavam as pessoas.
Não cresci sob o escrutínio público nem sou político de carreira. Sou cria da medicina. Passei grande parte da minha juventude no consultório médico dos meus pais, onde meu pai praticava a medicina e minha mãe administrava o restante. Minha irmã e eu passamos muitas tardes depois da escola ajudando a organizar a papelada, preenchendo fichas, limpando o espaço e recebendo os pacientes. Foi lá que descobri minha vocação de médico. Eu via as pessoas chegando ansiosas e saindo mais tranquilas e seguras, tendo meus pais como parceiros em seu processo de cura. Meus pais acreditavam que a medicina tem a ver com relacionamento e construíam essas conexões por meio da escuta. As seguradoras reclamavam que as consultas iam além dos quinze minutos preestabelecidos, mas meus pais entendiam que era preciso conhecer o paciente em termos emocionais e físicos, não importando quanto tempo isso levasse.
Esse é o tipo de medicina que eu me esforço para exercer. É o tipo de líder que quero ser. Portanto, assim que meu mandato começou, decidi escutar as pessoas antes de estabelecer objetivos e fazer planos. Isso significava investir tempo para saber como os americanos viviam. “Vamos conversar com as pessoas e entender do que elas precisam”, falei à minha nova equipe.
Passamos os meses seguintes viajando pelos Estados Unidos. Fomos bem recebidos em comunidades do Alabama à Carolina do Norte, da Califórnia a Indiana. Organizamos reuniões com grupos pequenos, mas em algumas prefeituras também reunimos grupos grandes de pais, professores, pastores, pequenos comerciantes, filantropos e líderes comunitários.
Por onde passávamos, fazíamos uma pergunta simples: Como podemos ajudar? As respostas, em alguns casos, confirmavam o que eu suspeitava serem os principais pontos: a epidemia de opioides e as taxas crescentes de obesidade, diabetes e doenças cardíacas, para citar alguns. Outras respostas já surpreendiam. Os professores do estado de Washington, por exemplo, disseram que as crianças estavam usando cigarros eletrônicos durante as aulas. Mascar chicletes e fumar era proibido nas salas de aula, mas não havia regras proibindo o uso de cigarros eletrônicos nas escolas. Na verdade, as escolas estavam esperando uma orientação do governo local, que por sua vez aguardava uma definição do governo federal.
Essas conversas tiveram um papel central na definição dos projetos que busquei realizar ao longo do meu mandato e além dele. Elas me levaram a produzir o primeiro relatório de um cirurgião geral sobre a crise da dependência química e a lançar uma campanha nacional para enfrentar a epidemia de opioides. Foram aqueles professores, pais, cientistas e autoridades que me inspiraram a publicar em 2016 o primeiro relatório federal sobre o uso do cigarro eletrônico por jovens.
Mas um tema recorrente chamou a minha atenção. Não se tratava de uma queixa formal. Não era sequer identificada diretamente como uma questão de saúde. A solidão perpassava como uma sombra os problemas mais óbvios que as pessoas relatavam, como dependência química, violência, ansiedade e depressão. Os professores, administradores escolares e muitos pais que encontrei relataram uma preocupação crescente com o fato de as crianças estarem se isolando – até mesmo, ou talvez principalmente, aquelas que passavam muito tempo interagindo com dispositivos digitais e nas mídias sociais. A solidão também ampliou a dor das famílias daqueles que enfrentavam a dependência de opioides.
Uma das primeiras vezes que percebi essa correlação foi em uma manhã fria em Oklahoma City, quando conheci Sam e Sheila, que haviam perdido tragicamente o filho, Jason, para uma overdose de opioide. Nós nos encontramos na clínica de tratamento pouco mais de um ano depois da morte do rapaz. O sofrimento do casal era visível nos rostos exaustos. Assim que começaram a falar sobre o filho, seus olhos ficaram marejados. A ferida ainda estava aberta. Foi muito sofrido encarar a morte de Jason, mas o que piorou tudo foi não poder contar com as pessoas que os apoiaram durante anos justamente no momento em que mais precisavam.
“Antes, quando coisas ruins aconteciam com nossa família, nossos vizinhos apareciam para oferecer ajuda ou demonstrar apoio”, contou Sheila. Mas quando o filho do casal morreu, ninguém apareceu. “Eles acharam que poderíamos estar envergonhados por ele ter morrido de algo que achavam ser humilhante. Ficamos muito sós.”
Sam e Sheila não estavam sozinhos em sua solidão. Em Phoenix, Anchorage, Baltimore e outras cidades, escutei histórias de homens e mulheres que diziam que a parte mais difícil da dependência do álcool e das drogas era a profunda solidão que sentiam quando a família e os amigos desistiam deles. Esse isolamento dificultava ainda mais a tarefa de manter o tratamento e o processo de recuperação. Não é fácil lidar com um transtorno por uso de substâncias, diziam. “Todo mundo precisa de apoio.”
A população de Flint, em Michigan, se sentia da mesma forma só que por razões diferentes. Fui a Flint no auge da crise de contaminação da água e visitei a casa de um casal cujas filhas haviam sido intoxicadas por chumbo. Já era ruim o suficiente eles não terem conseguido proteger as filhas, mas à medida que as semanas se passavam sem nenhuma solução para o problema no abastecimento de água, eles também começaram a se sentir esquecidos pelo governo e pelo país. Uma espécie de solidão por abandono, a sensação de serem deixados de lado, rejeitados, ignorados pela sociedade.
Em alguns casos, a solidão provocou problemas de saúde. Em outros, surgiu como consequência das doenças e das dificuldades que as pessoas enfrentavam. Nem sempre era fácil separar causa e efeito, mas claramente havia algo na desconexão entre as pessoas que estava piorando a vida delas.
AO MESMO TEMPO QUE aprendi sobre a prevalência da solidão, também aprendi muito sobre o poder curativo das conexões humanas. Em Oklahoma, por exemplo, conheci um grupo de adolescentes indígenas que se sentiam perdidos em relação à própria identidade e esquecidos pelo mundo exterior. Diante disso, eles criaram o programa “Sou indígena” para fortalecer um senso de cultura e pertencimento entre seus pares, além de reduzir o risco de dependência de álcool e drogas. Em Nova York, percebi a força das conexões humanas em uma rede de apoio formada por pais cujos filhos lutavam contra a dependência. Fazer parte de uma comunidade de pais que realmente entendesse o que estava se passando tornava mais fácil lidar com uma recaída e com a angústia de quando eles se culpavam pelo que estava acontecendo. Em Birmingham, no Alabama, onde a obesidade e as doenças crônicas estavam em alta, conheci um grupo que se reunia para correr, caminhar e nadar juntos. Mesmo aqueles que se sentiam envergonhados e desestimulados para se exercitarem sozinhos participavam porque seus amigos estavam lá. Também em Flint, as conexões humanas se tornaram parte da solução quando membros da comunidade se organizaram para ir de porta em porta ensinar os vizinhos a instalar corretamente filtros e, assim, evitar o chumbo na água potável da cidade.
Nesses casos e em tantos outros, pude ver o papel vital das conexões sociais quando indivíduos, famílias e comunidades enfrentam problemas difíceis. Enquanto a solidão gera desespero e mais isolamento, a união aumenta o otimismo e a criatividade. Quando as pessoas se sentem acolhidas, sua vida fica mais forte, rica e alegre.
Apesar disso, os valores que dominam a cultura moderna apostam na narrativa do individualismo obstinado e na busca da autodeterminação. Aprendemos que moldamos sozinhos o nosso destino. Será que esses valores contribuíram para a onda de solidão que eu estava testemunhando? Em Baltimore, um casal demonstrou alegria por ter filhos pequenos, mas confessou que eles dedicavam tanto tempo aos cuidados com as crianças que se sentiam desconectados dos amigos. Em Los Angeles, um bem-sucedido executivo da área hospitalar me contou que tinha acabado de passar o aniversário sozinho em casa porque a intensa agenda de trabalho o fez perder contato com os amigos. As pessoas não revelam essas histórias voluntariamente. Muitas se sentem constrangidas em admitir quanto se sentem sozinhas. Essa vergonha é especialmente forte nas culturas profissionais, como direito e medicina, que promovem a autoconfiança como virtude.
Os médicos, as enfermeiras e os estudantes de medicina superdedicados que conheci em Boston, Nashville e Miami diziam se sentir emocionalmente isolados no trabalho, mas não contavam a ninguém por medo da repercussão entre colegas e pacientes. Alguns temiam até que conselhos profissionais pudessem questionar sua aptidão para a medicina se eles admitissem, ainda que hipoteticamente, que tinham qualquer preocupação relacionada a problemas de saúde mental. No entanto, eles sabiam que a sensação de isolamento estava contribuindo para sua exaustão emocional. Só não sabiam como lidar com o problema.
Outros nem sequer entendiam que o que sentiam era solidão. Mas bastava uma pessoa na sala quebrar o gelo e fazer um comentário sobre a solidão para que várias pessoas levantassem a mão a fim de compartilhar histórias. Homens, mulheres, crianças. Profissionais altamente treinados. Homens de negócios. Trabalhadores braçais que ganham um salário mínimo. Nenhum grupo, qualquer que fosse o nível de instrução, riqueza ou realizações, parecia escapar ileso.
Muitas pessoas descreveram o que estavam sentindo como falta de pertencimento. E até tentaram mudar essa situação. Muitas se inscreveram em organizações sociais e se mudaram para outros bairros. Trabalhavam em escritórios abertos e frequentavam happy hours. Mas a sensação de estar “em casa” continuava inatingível. Sentiam falta dos alicerces de um lar que são as conexões genuínas com outras pessoas.
Estar em casa é ser conhecido e amado por quem você é de fato. É compartilhar um sentimento de senso comum, interesses comuns, objetivo e valores com pessoas que realmente se preocupam com você. Em todas as comunidades que visitei, encontrei pessoas solitárias que se sentiam desabrigadas, mesmo que tivessem onde morar.
À NOITE, EM MEU quarto de hotel, depois de cumprir uma agenda cheia de reuniões em prefeituras e comunidades, eu refletia sobre essas histórias com um misto de curiosidade e preocupação. A solidão também não me era estranha. Em meus primeiros anos na escola, eu sentia um frio no estômago quando meus pais me deixavam na porta do colégio pela manhã. Parecia aquele nervosismo que a gente sente quando faz as coisas pela primeira vez, só que ele se repetia todos os dias. Não era medo das provas ou do dever de casa. Eu temia me sentir sozinho. E tinha vergonha de contar aos meus pais que ficava sozinho. Admitir isso era muito mais difícil do que dizer que não tinha amigos. Seria como reconhecer que eu não era benquisto ou digno de ser amado. A vergonha que acompanha a solidão alimentou essa dor durante anos até que finalmente, no ensino médio, consegui me integrar e fazer parte de um grupo de amigos.
Apesar dos meus problemas pessoais de solidão, nunca pensei nesse assunto como uma possível prioridade de saúde pública. E isso certamente não estava na pauta que apresentei ao Senado dos Estados Unidos durante as audiências de confirmação que haviam ocorrido menos de um ano antes da minha nomeação, mas, de repente, ganhou relevância.
A questão era saber como abordar o tema. Muitas das pessoas com quem eu me reunia achavam que eu tinha um orçamento ilimitado de bilhões de dólares e uma equipe com milhares de pessoas. Com frequência eu tinha que reiterar que isso estava muito longe da verdade. Apesar de tudo, o cargo me deu um palanque para que eu pudesse conscientizar o público sobre a solidão, conversar com os principais interessados e defender mudanças em todas as áreas – desde pesquisa e políticas públicas até infraestrutura e estilo de vida individual.
Quanto mais eu analisava a relação de altos e baixos entre solidão e união, mais convencido ficava sobre a força da conexão humana. Muitos problemas que enfrentamos como sociedade – de dependência e violência a falta de engajamento entre trabalhadores e estudantes em relação à polarização política – pioram com a solidão e a desconexão. Construir um mundo mais conectado é a solução para resolver esses e muitos outros problemas pessoais e da sociedade que enfrentamos atualmente.
As conexões sociais são importantes para um funcionário que deseja ser visto e valorizado, ou para um CEO que quer se conectar com seus funcionários. Para os pais de crianças pequenas que precisam de mais apoio de amigos, mas não sabem como pedir ajuda. Ou para os cidadãos que veem uma forma de melhorar sua comunidade, mas se perguntam se alguém liga para a sua opinião. E, sim, a conectividade social é importante para o médico que deseja ajudar os pacientes a melhorar, mas não sabe o que fazer para curar a solidão deles e a própria.
Para minha surpresa, os temas do bem-estar emocional, de maneira geral, e da solidão, em particular, foram os que provocaram uma resposta mais forte por parte do público entre todas as questões com as quais trabalhei durante meu período como cirurgião geral. Poucas questões suscitaram um interesse tão entusiasmado por parte de parlamentares tanto conservadores quanto progressistas, de jovens e idosos e de quem morava na cidade e no campo. Depois das apresentações que fiz para prefeitos, sociedades médicas e líderes empresariais de todo o mundo, foram os temas que mais despertaram interesse em todos. Acho que isso acontece porque muita gente já sentiu na pele o peso da solidão ou conhece alguém que está passando por isso. É uma condição universal que afeta todo mundo diretamente ou por meio das pessoas que amamos.
A ironia é que o antídoto para a solidão, a conexão humana, também é uma condição universal. Na verdade, somos programados para nos conectar, como acontece sempre que nos unimos em torno de um propósito ou uma crise em comum. Foi assim na ação coletiva dos estudantes da escola de ensino médio de Parkland, no sul da Flórida, depois do massacre de 2018 que tirou 17 vidas. Também vemos essa disposição em ajudar e dar assistência por parte de voluntários de todo o mundo após grandes catástrofes como furacões, tornados e terremotos.
Uma das manifestações mais emocionantes de espírito comunitário na sequência de uma tragédia ocorreu no dia 11 de setembro de 2001. Quando as torres gêmeas do World Trade Center desmoronaram naquela terrível manhã em Nova York, milhares de pessoas daquela região de Manhattan fugiram para o sul na tentativa de escapar do inferno que as rodeava. Quando chegaram às margens do rio Hudson e perceberam que não havia como atravessar para o outro lado, entraram em pânico. A Guarda Costeira admitiu que não tinha condições de resgatar tantas pessoas em tão pouco tempo e tomou uma decisão inédita. Emitiu um aviso por rádio pedindo ajuda a barcos civis.
A resposta foi rápida. Dezenas de barcos enfrentaram a densa nuvem de poeira e escombros e levaram os passageiros assustados e cobertos de fuligem até a outra margem do rio, para um local seguro. Durante nove horas, a carona marítima resgatou quase 500 mil pessoas, tornando-se o maior resgate marítimo da história mundial, maior até que os resgates de Dunquerque, na Segunda Guerra Mundial.
Vincent Ardolino, capitão do Amberjack, disse que sua esposa achou que ele estava louco por querer levar seu barco até Manhattan naquela manhã depois da convocação. Mas ele sabia que precisava ir. “Nunca passe a vida dizendo que deveria ter feito alguma coisa”, disse ele mais tarde sobre a sua decisão.
Nossos instintos comunitários permanecem vivos e em boa forma. Quando compartilhamos um propósito em comum, quando sentimos a urgência comum, quando ouvimos um pedido de ajuda que temos condições de responder, grande parte das pessoas se apresenta para ajudar.
Meu desejo de atender esse apelo continuou após o fim do mandato como cirurgião geral. Assim como as insistentes perguntas em relação à solidão que surgiram a partir das conversas que tive com pessoas e especialistas. O que exatamente gerou o desgaste das relações nas comunidades e os níveis tão elevados de solidão? Que outros aspectos da saúde e da sociedade são afetados? Como superar o estigma da solidão e aceitar que somos todos vulneráveis? Como criar conexões mais fortes, duradouras e solidárias em nossa própria vida e nas comunidades, além de um sentimento mais unificador de consenso em nossa sociedade? Como mudar o equilíbrio da vida e parar de ser conduzido pelo medo, passando a ser impulsionado pelo amor?
Essas são apenas algumas das perguntas que iniciaram minha jornada para escrever este livro. Muitas outras surgiram à medida que consolidei a pesquisa que serviu de base para a compreensão dos papéis cruciais que tanto a solidão quanto a conexão têm na vida de cada pessoa. Além dos fatos e dos dados estão as pessoas que você encontrará ao longo das páginas a seguir: cientistas, filósofos, médicos, inovadores culturais, ativistas comunitários e pessoas de todas as áreas cujas histórias continuamente nos lembram que realmente somos melhores juntos.
A primeira parte deste livro se concentra nos fundamentos da solidão e das conexões sociais – as razões pelas quais a solidão evoluiu em nossa espécie altamente social, bem como de que modo os diferentes aspectos culturais podem ajudar ou atrapalhar os esforços para criar vínculos com as outras pessoas e estabelecer um sentimento comunitário de pertencimento. A segunda parte trata do processo de conexão que cada um de nós precisa conduzir na própria vida, começando pela maneira como nos relacionamos com nós mesmos, passando depois pela esfera da família e dos amigos, para, por fim, construir um mundo mais conectado para as próximas gerações. Minha esperança é que as histórias que você está prestes a ler aumentem sua consciência a respeito de seu lugar no universo social e sirvam de inspiração e motivação para que você se relacione com as pessoas ao seu redor com um sentimento renovado do papel essencial que temos na vida uns dos outros. Como você verá, quando fortalecemos nossas conexões com outras pessoas, ficamos mais saudáveis, mais resilientes, mais produtivos, mais criativos e mais realizados.
Ao escrever este livro, percebi que a conexão social se sobressai como uma força ainda pouco reconhecida e subvalorizada para a solução de muitos dos sérios problemas que enfrentamos como indivíduos e como sociedade. Superar a solidão e construir um futuro mais conectado é uma missão urgente que podemos e devemos enfrentar juntos.