Palavras de despedida | Sextante
Livro

Palavras de despedida

Benjamin Ferencz

9 lições para uma vida extraordinária

9 lições para uma vida extraordinária

 

Memórias e ensinamentos do último promotor sobrevivente dos julgamentos de Nuremberg.

“Ferencz é um homem honrado, paciente e grato, dono de um humor maravilhoso. Esta é uma leitura obrigatória.” — Edith Eva Eger, autora de A bailarina de Auschwitz

 

Em 2020, Benjamin Ferencz completou 100 anos de uma existência extraordinária.

Ex-combatente na Segunda Guerra e único promotor ainda vivo dos julgamentos de Nuremberg, ele testemunhou o pior do ser humano, mas nunca perdeu a esperança e o otimismo.

Em Palavras de despedida, escreve sobre o melhor que podemos fazer por nós mesmos. É o seu legado.

Suas lições falam de virtudes ao alcance de todos. Elas nos ensinam a manter os sonhos vivos e a nunca parar de aprender.

A lapidar nossas forças, resistir ao mal e escrever cartas de amor. A entender que a vida é sinuosa e que ser bom é uma escolha. A proclamar nossas verdades, mesmo que ninguém nos ouça.

Ferencz aprendeu cada ensinamento na carne, em histórias que vai contando com leveza, compaixão e pitadas de humor.

Da infância difícil como imigrante nos Estados Unidos aos tribunais de crimes nazistas e à atuação como defensor dos direitos humanos, vislumbramos a trajetória de um homem justo que nos convida a construir um futuro melhor.

 

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Ficha técnica
Lançamento 09/11/2021
Título original Parting Words
Tradução Marcelo Schild
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 144
Peso 250 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-230-8
EAN 9786555642308
Preço R$ 39,90
Ficha técnica e-book
eISBN 978-65-5564-231-5
Preço R$ 24,99
Ficha técnica audiolivro
ISBN 9786555643169
Duração 03h 8min
Locutor Alaor Coutinho
Lançamento 09/11/2021
Título original Parting Words
Tradução Marcelo Schild
Formato 14 x 21 cm
Número de páginas 144
Peso 250 g
Acabamento Brochura
ISBN 978-65-5564-230-8
EAN 9786555642308
Preço R$ 39,90

E-book

eISBN 978-65-5564-231-5
Preço R$ 24,99

Audiolivro

ISBN 9786555643169
Duração 03h 8min
Locutor Alaor Coutinho
Preço US$ 7,99

Leia um trecho do livro

INTRODUÇÃO

Muitas vezes pergunto a Ben Ferencz por que ele é tão bem-humorado.

– Se você está chorando por dentro, é melhor estar rindo por fora, garota. Não há sentido em se afogar nas próprias lágrimas – responde ele.

Antes, eu imaginava a história como algo restrito aos livros e aos fotogramas em preto e branco que nos mostram na escola. As imagens de guerra, destruição e regeneração parecem extremamente distantes da nossa realidade, mas os protagonistas que ajudaram a moldar o mundo nem sempre são personagens exuberantes de uma era passada, anterior ao triunfo do bem sobre o mal.

A primeira vez que deparei com Ben foi por puro acaso. Certa noite, estava passando os canais de notícias dos Estados Unidos e o vi em uma reportagem. Na época, eu era repórter do The Guardian em Londres, e as palavras dele despertaram meu interesse. Quando pesquisei sobre ele, fiquei surpresa ao descobrir sua importância e a profundidade de seu conhecimento.

Em um vídeo feito no tribunal principal do parcialmente restaurado Palácio da Justiça em Nuremberg – outrora o local de manifestações nazistas anuais –, assisti a Ben, o promotor geral – um homem conciso e determinado de 27 anos, de baixa estatura, escondido atrás de um pódio de madeira –, abrir o maior julgamento de homicídio da história. Os 22 membros dos Einsatzgruppen, esquadrões de extermínio nazistas responsáveis pela morte de mais de 1 milhão de judeus e de outras minorias, encaravam-no do banco dos réus.

Não sei exatamente por que aquilo me tocou, mas senti um desejo repentino de pegar o telefone e ligar para ele. Talvez tenha sido porque eu estava com a mesma idade que ele tinha na época daqueles julgamentos, há mais de setenta anos. Ou por causa da natureza da notícia. Com o voto da Inglaterra para deixar a União Europeia e os Estados Unidos elegendo uma personalidade de um reality show televisivo como seu 45º presidente, além de guerras civis furiosas no Oriente Médio, a ordem global pós-guerra parecia estar se desfazendo em um ritmo acelerado. Ou talvez fosse simplesmente porque eu acabara de passar por um péssimo término de relacionamento e precisasse de alguém que me lembrasse que meus dramas pessoais eram irrelevantes diante de guerras e terrorismo.

Em meu contato inicial com Ben, admito que esperava um personagem solene e sóbrio, mas a primeira coisa que notei foi quão empático e charmoso ele era. Em seu 101º ano, ele continua astuto e espirituoso, e, apesar dos horrores que testemunhou na vida, é rápido em fazer piadas.

Em poucos minutos, ficou claro que ele era inspirador. Nossa conversa evoluiu para uma entrevista para a coluna de destaques do The Guardian. O artigo provocou mais interesse do que qualquer reportagem publicada naquele dia. Por mais incomum que isso seja atualmente, as pessoas leram o texto inteiro. Em cinco anos como repórter, eu jamais tivera um retorno tão positivo a uma matéria. Leitores de todas as idades, de todo o mundo, entraram em contato comigo para contar quanto as palavras de Ben os tocaram.

Os capítulos que se seguem são o resultado de uma série de conversas que tive com Ben ao longo de vários meses. Eu poderia dizer que continuei a conversar com ele para que mais pessoas tivessem o privilégio de ouvir o que ele tem a dizer. Isso seria o correto, mas, no fundo, mantive contato com Ben por razões puramente egoístas: ele é realmente muito amoroso e engraçado e me dá ótimos conselhos.

– Estou triste hoje, Benny – digo às vezes.

– Querida – responde ele –, o que quer que seja, tenho certeza de que você já sobreviveu a coisas piores.

Ben tem uma capacidade impressionante de se lembrar de detalhes ínfimos de episódios da sua vida, desde os nomes completos daqueles com quem se encontrou a como estava o clima em qualquer dia específico. Quando lhe propus as conversas que se transformaram neste livro, levei algum tempo para convencê-lo.

– Você não pode imaginar como estou ocupado – dizia ele. – Estou tão ocupado que não tenho tempo para decifrar por que sou como sou, nem sequer tenho tempo para morrer.

Ficamos nesse vaivém durante algum tempo, ele insistindo em que estava ocupado demais, e eu insistindo em que, na verdade, não levaria muito tempo.

– Querida – disse ele com ironia depois de 45 minutos –, neste ritmo você vai matar seu entrevistado.

O que mais me impressionou nesse período com ele foi que, apesar de haver um oceano e sete décadas entre nós, Ben e eu temos muito em comum. Nós dois emigramos ainda novos e crescemos em bairros perigosos, presos entre culturas e continentes. Ambos aprendemos outras línguas por conta própria, ou conversando com amigos ou assistindo a filmes legendados. Ambos éramos estudiosos, mas incapazes de seguir regras e regulamentos. Fomos os primeiros de nossas famílias a frequentar a universidade, onde nos demos conta rapidamente de que precisávamos nos esforçar mais e por mais tempo para permanecer na competição. Ambos estudamos direito, gostamos de nadar e achamos graça onde não há graça. Até fazemos aniversário no mesmo dia, embora toda vez que o lembro disso ele me advirta:

– Não faça nenhuma bobagem que estrague meu aniversário, garota.

Nas fotografias publicadas com o artigo do The Guardian, Ben é uma figura jovial de bermuda azul e suspensórios circulando por uma casa em Delray Beach, na Flórida. Com as mãos na cintura, ele espia por trás dos óculos, com um sorriso nos lábios e o sol atrás da cabeça. Para uma pessoa comum, ele é o velhinho gentil da casa ao lado, o avô que você visita nos fins de semana e feriados. Com frequência, há patos grasnando no seu jardim.

Mas Ben não é de forma alguma um homem comum. Fatou Bensouda, o promotor geral do Tribunal Penal Internacional, já se referiu a ele como um “ícone da justiça criminal internacional”; Alan Dershowitz, o respeitado advogado e defensor das liberdades civis que representou O. J. Simpson e o presidente Trump, chamou-o de a “personificação do benfeitor internacional”; e Barry Avrich, o cineasta por trás do documentário Prosecuting Evil, da Netflix, no qual todos eles aparecem, disse sobre as conquistas legais de Ben que ele é uma das figuras mais monumentais dos nossos tempos.

Os capítulos a seguir cobrem apenas alguns dos aprendizados de Ben ao longo de uma vida notável, mas tentarei resumir parte da história dele aqui. Foi condecorado com cinco estrelas pelo Pentágono por ter sobrevivido a todas as grandes batalhas na Europa na Segunda Guerra Mundial: desembarcou nas praias da Normandia, penetrou nas defesas alemãs nas linhas Maginot e Siegfried, atravessou o Reno em Remagen e participou da Batalha das Ardenas em Bastogne.

Depois de ser transferido para o quartel-general do Terceiro Exército do general Patton em 1944, Ben recebeu a tarefa de criar um setor de crimes de guerra. Ele esteve presente – ou chegou logo depois – na liberação dos campos de concentração de Buchenwald, Mauthausen, Flossenbürg e Ebensee, em busca de provas de crimes nazistas que pudesse apresentar em julgamentos. Ben escavou corpos de covas rasas, às vezes somente com as mãos. Ele testemunhou cenas de puro horror que o assombram até hoje.

Enquanto os Estados Unidos estavam envolvidos na Guerra do Vietnã, Ben decidiu se retirar da prática legal privada e se dedicar à promoção da paz. Escreveu vários livros expondo suas ideias para a formação de um corpo legal internacional, os quais se tornaram essenciais na criação do Tribunal Penal Internacional. Também liderou esforços para devolver propriedades a sobreviventes do Holocausto, participando de reuniões de reparação entre Israel e a Alemanha Ocidental.

Em setenta e tantos anos de carreira, Ben testemunhou mais acontecimentos que a maioria das pessoas. A vida dele é uma história clássica de quem se ergueu da miséria para a riqueza. Nascido em uma família judia da Transilvânia, mudou-se com os familiares para a Cozinha do Inferno em Nova York quando tinha 9 meses e se esforçou muito para escapar das condições de pobreza antes de ganhar uma bolsa de estudos na Faculdade de Direito de Harvard.

Ben recebeu vários prêmios por seu trabalho, inclusive a Medalha da Liberdade de Harvard em 2014. O contemplado anterior havia sido Nelson Mandela. Ele continua a usar sua posição para fazer o bem, tendo doado milhões de dólares para o centro de prevenção do genocídio do Museu do Holocausto. Seus esforços contínuos em estabelecer uma ordem legal global para processar genocídios, crimes de guerra e crimes contra a humanidade são verdadeiramente notáveis.

– Não me importo com a glória, não me importo com dinheiro… eu daria tudo – diz ele. – Vim ao mundo como um miserável, vivi o começo da minha vida na pobreza, e agora estou retribuindo.

Ele não descansa. Certo fim de semana, antes de sua viagem a Los Angeles para promover o documentário da Netflix, perguntei-lhe se ele gostaria de trocar de lugar comigo.

– Você está indo para aquele sol de Hollywood e eu estou nesta chuva de Londres – resmunguei. Ele soltou sua habitual gargalhada forte e me disse que, sem dúvida, trocaria de lugar comigo.

– Estive uma vez em uma turnê de promoção do Museu Memorial do Holocausto – continuou ele. – Começamos em Nova York, de lá fui para Washington, D. C., Los Angeles, San Diego e depois Chicago. Então eu desmaiei. Quando acordei, estava em um hospital. Mas me senti seguro, pois havia uma grande cruz na parede do pequeno quarto e, abaixo dela, uma inscrição: “A sociedade da ressurreição de Chicago.” Sendo uma pessoa que preza a lógica, deduzi que, se estava sendo ressuscitado, eu devia ter morrido. Fiquei duas semanas lá.

Morte e morrer estão constantemente nos pensamentos de Ben.

– Eu não poderia estar melhor – diz ele sempre que pergunto. – Sabe por quê? Porque conheço as alternativas.

Não resta mais ninguém no mundo com a perspectiva de Ben. Sendo o último promotor de Nuremberg vivo, ele tem um slogan para qualquer pessoa que queira assegurar o triunfo do bom senso sobre o assassinato: “Lei, não guerra.” Ele retorna a este slogan em toda conversa ou anedota. Por causa disso, já se disse que Ben é uma consciência de facto do mundo, lutando todos os dias por uma consciência mundial. Segundo seu filho Donald, até mesmo jantares de família começavam com a pergunta: “O que você fez pela humanidade hoje?”

– Sempre tenho consciência de que fui muito afortunado – diz Ben. – Nasci na pobreza, filho de pais pobres. Sobrevivi aos horrores da guerra em todas as grandes batalhas. Conheci uma mulher maravilhosa, criei quatro filhos que tiveram uma educação plena e tenho uma saúde incrível. Não se poderia pedir nada mais. Toda vez que saio ou volto para casa, conto as bênçãos pela vida que vivi.

Como editora de um veículo jornalístico, eu me deparo com manchetes negativas todos os dias. Lentamente, o mundo parece estar cada vez mais próximo da devastação. A onda de sentimento nacionalista não esvaneceu, líderes do assim chamado mundo livre promovem o unilateralismo enquanto se cercam de conselheiros que soam tambores de guerra, movimentos sangrentos de protesto assolam de Beirute a Hong Kong e Paris. As sociedades se tornaram campos de batalha para guerras culturais cada vez mais intensas à medida que uma abordagem do tipo “eles contra nós” abate qualquer empatia e evita compromissos. Isso está acontecendo enquanto sistemas econômicos estabelecidos cultivam desigualdade e corrupção, e autocratas jogam uma minoria contra a outra enquanto atacam estruturas e instituições constitucionais. Valores e ideais considerados elementares, tais como honradez e generosidade, estão sob um risco cada vez maior. Nunca uma voz como a de Ben foi tão necessária.

Independentemente disso, às vezes todas essas coisas me atrapalham e eu ou estou ocupada demais ou me esqueço de telefonar para o meu amigo em outro fuso horário.

– Nadia, a sumida – provoca ele quando finalmente entro em contato. – Você está ligando só para checar se eu ainda a reconheço?

Mas Ben entende, porque tampouco se desligou dos noticiários. Ele sabe que há muito em jogo, porque está convencido de que a próxima guerra será a última. Ele continua a fazer intervenções onde as considera apropriadas, mais recentemente escrevendo uma carta para o The New York Times quando os Estados Unidos e o Irã pareciam estar à beira de um conflito.

– A farsa continua – diz ele. – Eles ainda estão se comportando como loucos.

Ben faz turnês por escolas e campi universitários dando palestras motivacionais para jovens, e vasculha as pilhas de cartas de fãs – ou, como gosto de provocá-lo, cartas de amor – que recebe todos os dias, respondendo a algumas de vez em quando.

Existem cínicos no mundo que levarão você a acreditar que os seres humanos são separados por nascimento, raça, religião ou credo, que refugiados são uma ameaça à prosperidade e à cultura de uma nação. Todos os tipos de histórias sobre campos de imigrantes, travessias do Canal da Mancha e centros de detenção agem para desumanizar o desconhecido. Intencionalmente ou não, internalizamos essas histórias e duvidamos da nossa capacidade, ou da do outro, de brilhar, de fazer o bem. Mas em Ben vi algo que eu não fora capaz de reconhecer em mim: imaginação, diligência e orgulho. Dele, podemos receber lições sobre a resiliência do espírito humano, mesmo diante da pior adversidade. Podemos aprender que, não importa nossa origem ou nossas atitudes, temos mais em comum com o outro do que sabemos. E que juntos somos mais fortes.

O progresso não é imediato; é lento e complexo. Sempre que estou frustrada, Ben gosta de me lembrar que milagres são possíveis. O fim do colonialismo e da escravidão, os direitos das mulheres, a emancipação do sexo e até mesmo aterrissar na Lua não eram inconcebíveis algumas décadas atrás?

Apesar do otimismo de Ben, os últimos tempos têm sido dolorosos para meu amigo. A esposa dele, Gertrude, com quem ele estava havia mais de oitenta anos, faleceu recentemente. Ele fala dela com frequência, lembrando que teria 100 anos agora. Falar da esposa e de seu amor imorredouro por ela é uma das poucas coisas que o fazem chorar. Mas, na essência, são lágrimas de alegria, porque ele compartilhou com sua alma gêmea a paixão por fazer do mundo um lugar melhor e ajudar as pessoas. Em uma terra estrangeira, eram ambos estranhos que ansiavam por provar o próprio valor e deram muito duro para melhorar suas circunstâncias.

Quando pergunto a Ben quais são os três conselhos que ele daria para os jovens, ele nunca hesita antes de responder:

– É simples. Primeiro: nunca desista. Segundo: nunca desista. Terceiro: nunca desista.

É essa a orientação que levo comigo.

Nadia Khomami

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Benjamin Ferencz

Sobre o autor

Benjamin Ferencz

BENJAMIN FERENCZ nasceu na Transilvânia, atualmente parte da Romênia. Graduou-se em Direito em Harvard e foi um dos promotores dos julgamentos de Nuremberg, em 1946. Depois da Segunda Guerra, liderou esforços para devolver bens e propriedades a sobreviventes do Holocausto e desempenhou um papel fundamental no estabelecimento do Tribunal Penal Internacional. Em 2019 enviuvou de Gertrude, sua namorada de adolescência e mãe de seus quatro filhos. Tem 101 anos e vive na Flórida, nos Estados Unidos

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