Prefácio: O porquê do fluxo
Este é um livro sobre o impossível, mas começa pelo invisível. Nas últimas três décadas, um conjunto improvável de homens e mulheres levou o desempenho humano mais longe – e mais rapidamente – do que em qualquer outro momento dos 150 mil anos de história da nossa espécie. Nesse piscar de olhos evolutivo, esses indivíduos redefiniram por completo os limites do possível. Mas a parte mais estranha é que esse florescimento sem precedentes do potencial humano ocorreu à vista de todos, ocasionalmente com milhões de pessoas assistindo – só que quase ninguém se deu conta.
O motivo é simples: praticamente todo esse boom do desempenho ocorreu no mundo dos esportes de ação e aventura. É claro que surfar e esquiar são ótimas formas de lazer. Assistir aos X Games na TV é muito legal, mas quando se trata de surfar ondas gigantescas e se lançar de penhascos de 30 metros, a maioria de nós vê apenas magia intrépida: proezas inconcebíveis e atletas insanos – e só.
No entanto, o que parece impossível é, na verdade, progressivo. Por trás de cada uma dessas façanhas está uma longa lista de pequenos passos: história, tecnologia, treinamento – e não apenas treinamento físico, mas mental também. O sucesso nessas atividades estimuladas pelo perigo exige talentos psicológicos e intelectuais incríveis, como determinação, força, coragem, criatividade, resiliência, cooperação, pensamento crítico, reconhecimento de padrões, tomada de decisões cruciais em alta velocidade – tudo isso sob as condições mais extremas imagináveis. Pesquisadores recentemente cunharam a expressão “Competências para o Século XXI”1 para descrever essa variedade de aptidões que nossos filhos precisam desenvolver para prosperar neste século – habilidades que hoje em dia não são ensinadas na escola, mas de que a sociedade precisa desesperadamente. Os esportes de ação e aventura exigem todas elas.
Porém isso é só o começo. De tudo que esses atletas conseguiram conquistar, nada é mais impressionante que o domínio que têm do estado conhecido como fluxo. A maioria de nós tem ao menos uma familiaridade passageira com o estado de fluxo. Se alguma vez você perdeu uma tarde em uma boa conversa ou se envolveu num projeto de trabalho a ponto de esquecer todo o resto, você passou por essa experiência. No estado de fluxo, ficamos tão concentrados na tarefa que estamos desempenhando que tudo o mais desaparece. Ação e consciência se fundem. O tempo voa. O eu se desvanece. O desempenho vai às alturas.
Chamamos essa experiência de fluxo, porque é essa a sensação. É como se cada ação, cada decisão, levasse à próxima, de maneira fluida, sem esforço, de forma consistente. É a resolução de problemas em alta velocidade; é deixar-se levar pelo ponto alto do desempenho. “O fluxo o catapulta naturalmente para um nível em que você não está naturalmente”, explica Ned Hallowell, psiquiatra da Harvard Medical School. “O estado de fluxo naturalmente transforma um fracote num fortão, um desenhista num artista, uma dançarina numa bailarina, um adepto da filosofia do ‘devagar e sempre’ num velocista, uma pessoa comum em alguém extraordinário. Tudo o que você é capaz de fazer, pode realizar melhor no estado de fluxo: um bolo de chocolate, planejar as férias, resolver uma equação diferencial, redigir um plano de negócios, jogar tênis ou fazer amor. O fluxo é a porta de entrada para aquele ‘algo mais’ que a maioria de nós está buscando. Em vez de se contentar com o que já alcançou, achando que não há mais nada além disso, aprenda a entrar no estado de fluxo, e então você vai encontrar, em doses controláveis, todo esse ‘algo mais’ que está procurando.”2
O fluxo é um estado de consciência ideal,3 o estado em que nos sentimos melhor e atingimos nosso desempenho máximo. Trata-se de uma transformação disponível a qualquer um, em qualquer lugar, desde que algumas condições iniciais sejam cumpridas. Todo mundo – de trabalhadores numa linha de montagem em Detroit a músicos de jazz na Argélia e desenvolvedores de software em Mumbai – depende do estado de fluxo para turbinar o desempenho e acelerar a inovação. E como! Os pesquisadores agora acreditam que ele está no centro de quase todas as vitórias esportivas, é a base das grandes revoluções científicas e é responsável pelos progressos mais significativos nas artes.4 Líderes mundiais já louvaram suas maravilhas e CEOs das maiores empresas americanas desenvolveram filosofias corporativas em torno dele. E, além de tudo isso, há ainda a perspectiva da qualidade de vida: psicólogos descobriram que as pessoas que experimentam o estado de fluxo com mais frequência são as mais felizes do planeta.
Dizendo de outra forma: uma pesquisa recente da Gallup descobriu que 71 por cento dos trabalhadores americanos “não estavam empenhados” em seus empregos ou estavam “ativamente desmotivados” em relação a eles.5 Pense por um momento: duas em cada três pessoas odeiam o que fazem durante a maior parte do tempo. Trata-se de uma crise, para dizer o mínimo. No entanto, já sabemos onde está a solução. Os outros 29 por cento dos trabalhadores possuem ocupações que os colocam frequentemente nesse estado de fluxo, o que está diretamente correlacionado à felicidade no trabalho. E a felicidade no trabalho, por sua vez, está diretamente ligada ao sucesso. Como informou recentemente a CNN: “Uma década de pesquisas no mundo dos negócios comprova que a felicidade melhora quase todos os resultados empresariais e educacionais, aumentando as vendas em 37 por cento, a produtividade em 31 por cento e a precisão nas tarefas em 19 por cento – além de proporcionar uma série de melhorias na saúde e na qualidade de vida.”6
No entanto, existe uma pegadinha: apesar de ser o estado que todos desejam alcançar, também é o mais fugidio. Embora alguns tenham passado séculos tentando, ninguém encontrou um meio confiável de reproduzir essa experiência com regularidade suficiente para aumentar radicalmente o desempenho. Mas esse não é o caso dos atletas de ação e aventura. Colocando de forma simples: o estado de fluxo é o único motivo de esses atletas sobreviverem às imensas montanhas, às ondas gigantes e aos grandes rios. Quando você está forçando os limites do desempenho humano, a escolha é uma só: fluir ou morrer.
Ironicamente, essa é uma ótima notícia. Nos últimos anos, os cientistas têm feito progressos enormes na compreensão do estado de fluxo. Avanços em tecnologias de imagens do cérebro, como a ressonância magnética funcional, e dispositivos de “quantificação do eu”, como pulseiras biométricas, permitem medições objetivas num campo em que antes havia apenas a experiência subjetiva. Até agora não havia como relacionar todas essas informações, mas acontecimentos recentes nos esportes de ação e aventura resolvem esse problema. Saber que a sobrevivência nesses esportes exige o fluxo fornece um conjunto de dados objetivos com os quais trabalhar. Não precisamos nos perguntar se nossas cobaias da pesquisa realmente atingiram esse estado: se elas sobreviveram ao impossível, podemos ter certeza disso. E, ao correlacionar esses novos avanços científicos às atividades radicais, podemos começar a entender exatamente como o estado de fluxo funciona. Se conseguirmos descobrir o que esses atletas estão fazendo para reproduzi-lo de maneira confiável, poderemos aplicar esse conhecimento a todos os domínios do indivíduo e da sociedade.
Em outras palavras, apesar desses “outros” no centro da história, este livro na verdade é sobre nós: sobre você e eu. Quem não deseja saber como ter o melhor desempenho quando isso é o que mais importa? Quem não quer ser mais criativo, estar mais satisfeito, mais concentrado? Como as façanhas desses atletas comprovam, se conseguirmos dominar o estado de fluxo, não haverá limites para o que podemos alcançar. Nós somos a nossa própria revolução.
Com o intuito de atingir esse objetivo, este livro está dividido em três partes. A primeira examina a que ponto os atletas de ação e aventura levaram os limites do possível e explora os dados científicos acerca do estado de fluxo (este trabalho se baseia em mais de uma década de pesquisas; salvo quando for indicado o contrário, todas as citações são fruto de entrevistas conduzidas pelo autor ou de documentos históricos). Aqui veremos como o estado de fluxo funciona no cérebro e no corpo, como acelera intensamente o desempenho mental e físico, e como permite que esses atletas realizem o impossível. Uma vez que dominar esse estado não é fácil, a Parte Dois sonda a natureza da busca: como esses atletas foram bem-sucedidos nessa tarefa, como reorganizaram suas vidas para cultivar o estado de fluxo e como podemos fazer o mesmo. Finalmente, a última parte trata do lado mais sombrio do fluxo, seus impactos culturais mais amplos e o futuro.
O grande ativista pelos direitos civis Howard Thurman certa vez disse: “Não pergunte do que o mundo precisa. Pergunte o que faz você se sentir vivo. Porque o que o mundo mais precisa é de mais pessoas que se sintam vivas.”7
Os dados são claros. O estado de fluxo é o que faz nos sentirmos vivos. Ele é o mistério, o objetivo. Nas páginas deste livro descrevo algumas atividades difíceis e perigosas. As pessoas envolvidas nelas são profissionais altamente treinados. Portanto, por favor: tente fazê-las em casa. Porque o que o mundo mais precisa é de super-humanos.
Está na hora de despertar.