PARTE UM
INTRODUÇÃO
O CAMINHO DO CORAÇÃO
Por meio do processo de autoconhecimento descobrimos muitas verdades sobre nós mesmos. Desenvolvi uma metodologia para ajudar as pessoas a despertarem – ela se chama Caminho do Coração. Nele, deparamos com obstáculos que necessitam ser ultrapassados e aprendemos a identificá-los e removê-los. Quando removemos aquilo que não nos serve mais, abrimos os canais do nosso amor para que ele possa fluir livremente.
1.
Chaves para a paz interior
A paz é a mais elevada das virtudes. É o anseio secreto de todos os seres. Ela é uma profunda aceitação daquilo que é. É não se opor a nada ou ninguém. Na minha experiência de alcançar esse estado de espírito tão ansiado, a paz brota da entrega: você entrega todos os seus problemas a Deus e se deixa levar pelo fluxo da vida. Se você não acredita em Deus, entregue ao grande Mistério da vida, cuja criação nem a mente científica mais brilhante conseguiu conceber ou reproduzir, ou à consciência presente em cada partícula do Universo, que aprendeu a transformar energia em matéria, matéria em vida, vida em pensamento e emoção. O que importa é entregar a algo maior que você, que o precede e que o sucederá. Entregar significa não pensar mais a respeito. Significa confiar que o Universo já sabia o que estava fazendo antes de você chegar e saberá o que fazer depois que você deixar essa sua forma transitória atual. Você relaxa e confia. Para isso, é preciso abrir mão do controle. A paz, portanto, nasce de um profundo confiar. Em suma, a paz nasce da fé na vida.
Olhando para trás, revendo minha história pessoal, vejo que minha busca pela paz começou quando eu ainda era muito jovem. Antes mesmo da adolescência, entrei numa escola de conhecimentos espirituais. Certa vez, um professor disse: “As pessoas se autodenominam humanas, mas, na verdade, são humanoides – criaturas com cérebro grande e duas pernas que se passam por seres humanos. Na condição atual, as pessoas são incapazes de perceber do que realmente precisam. Acreditam que serão felizes se obtiverem este ou aquele objeto ou título, mas toda essa ganância somente mostra que são ainda muito imaturas para entender que a verdadeira felicidade somente nasce da paz no coração e na mente.” Quando ouvi isso, pensei: “Será que ele está se referindo a mim? Como ele sabe o que se passa em meu coração?”
Até aquele ponto, tudo indicava que a paz somente poderia ser atingida através do domínio sobre o mundo material. E, de repente, ouvir essa devastadora crítica sobre a humanidade e perceber nas profundezas do meu coração que isso era verdade foi como um nocaute. Esse ensinamento abriu as portas da verdade para mim.
Ainda levou algum tempo para eu compreender que minha falta de paz era falta de amor. E que o amor de que eu precisava não viria de fora, não seria recebido, mas brotaria em mim. O amor que eu ardentemente buscava, o amor que me traria a paz almejada, teria que nascer e fluir livremente de dentro de mim. Quando digo “compreender” quero dizer entender de uma forma mais profunda, entender com o coração, não só com a mente. Foi quando eu finalmente percebi que estava andando na direção oposta à paz: o objetivo era amar. Então, eu teria que aprender a dar sem querer receber algo em troca. Ao reconhecer que estava fora do caminho, pude dar o primeiro passo em direção à paz. A verdadeira paz somente brota quando você desperta a capacidade de doar-se desinteressadamente. Eu pude perceber que minha vida frequentemente se resumia a uma eterna tentativa de forçar o outro a me amar. Graças a esse ensinamento, me dei conta de que a paz reside em amar o outro sem querer nada em troca.
Com base nos conhecimentos que adquiri em minha jornada, criei uma metodologia psicoespiritual para ajudar os buscadores a reencontrarem a amorosidade e a espontaneidade perdidas. Esse método, que eu chamo de Caminho do Coração, será descrito e detalhado ao longo deste livro. Porém considero importante elucidar diversos conceitos sobre os quais ele se assenta, porque desde já vamos lidar com alguns deles.
No mais profundo, somos uma centelha divina, somos uma manifestação do amor. Essa essência divina e perfeita eu costumo chamar de Eu superior. Ela é a sua alma, que é uma porção da alma universal, que é Deus ou o grande Mistério da vida. Quando essa centelha divina penetra este plano da existência, ela começa a se esquecer de sua origem divina e perfeita. O meu trabalho é justamente ajudá-lo a lembrar dessa sua essência original.
Não é preciso acreditar em encarnação para compreender esse conceito. Os pesquisadores na área da física chegaram a uma conclusão semelhante ao descobrir que nossos corpos são feitos do mesmo material originado no Big Bang, a explosão que criou o Universo. Eles concluíram que somos feitos de poeira de estrelas, somos parte da mesma matéria que compõe o resto do Universo. Somos um com o todo, apenas organizados de maneira diferente. A ciência a cada dia descobre novas conexões que revelam um mundo interdependente, no qual cada parte se relaciona com o todo. É disso que estou falando.
Assim iniciamos uma experiência terrena, na qual somos submetidos a situações que nos levam ao aprendizado de que necessitamos. Durante essa trajetória, e principalmente na infância, a entidade humana em evolução passa por choques, que podem se transformar em traumas. Esses traumas se traduzem em bloqueios que costumo chamar de “nãos” para a vida. Isso ocorre por meio de um mecanismo de associação que liga a experiência de vida atual a imagens do passado. Sem ter consciência disso, a entidade sente aversão por determinadas situações e pessoas, mas não compreende por quê. Ela nega os sentimentos negativos gerados pelos traumas e os esconde em algum lugar obscuro da consciência (o subconsciente). Nasce assim o que, em psicologia, chamamos de “sombra”, e que eu também chamo de eu inferior ou ainda de “criança ferida”. Trata-se de uma entidade, um corpo feito de dor que, por ser inconsciente, exerce grande influência sobre nossas vidas.
Podemos dizer então que ocorre uma cisão interna. É como se fôssemos divididos em duas partes ou dois corpos. Um deles é real, o outro é falso. Um falso eu é criado e a criança começa a desenvolver máscaras para sustentá-lo. Por exemplo, se a criança, por alguma razão, sentiu raiva dos pais e negou esse sentimento, ela usará uma máscara para esconder essa raiva nas situações da vida presente. Ela será uma falsa boazinha, que terá uma falsa paciência ou uma falsa tolerância. Só que a máscara tem um custo muito alto. Ela custa a nossa liberdade e a nossa espontaneidade, porque, para sustentar essa mentira, precisamos estar sempre alertas, organizando nossas estratégias, escolhendo cada palavra e premeditando cada ação. Vivemos com medo, pois não queremos que os outros descubram quem realmente somos. Isso é uma prisão.
O Caminho do Coração é um método que nos ajuda a identificar a mentira, abandonar as máscaras e encarar o eu inferior (ou falso eu) para integrar esses aspectos negados e, finalmente, revelar a sua essência, o Eu superior ou Eu real. Nele, utilizamos algumas chaves que abrem as portas para o despertar da consciência amorosa e da paz interior:
Silêncio
A primeira chave é o cultivo do silêncio, porque é nele que podemos ouvir a voz do coração. Quando você compreende isso, naturalmente procura cultivar o silêncio na sua vida diária.
Na maior parte do tempo, ainda que estejamos quietos externamente, o ruído continua na mente, porque ela se encontra ocupada com pensamentos compulsivos, aqueles que ocorrem sem que tenhamos consciência deles. O ser humano pensa compulsivamente e com isso não é possível obter silêncio. Vamos nos aprofundar nesse aspecto mais à frente neste estudo, mas já adianto: o pensamento compulsivo é um dos grandes males da humanidade. Compreender isso é o primeiro passo para alcançar o silêncio, inclusive na mente. Porque então você pode observar a torrente de pensamentos que passa através de sua mente sem se identificar com ela. É como os pais que aprendem a conviver sem incômodo com a algazarra dos filhos, que para um visitante pode parecer perturbadora. À medida que se desidentifica dos pensamentos e foca cada vez mais o espaço vazio entre um pensamento e outro, você entra em um profundo estado de quietude. Somente então você poderá ouvir a voz do Eu superior, uma expressão que eu uso para me referir ao Deus que habita cada um de nós, a centelha da vida que pulsa em cada átomo e em cada célula, o mistério do Universo que brilha em você. Todos contemos em nós a sabedoria do Universo, em cada elétron, em cada cromossomo do nosso corpo. Mas esse conhecimento não se revela à mente. Ele só está disponível ao coração. Esse é o Eu superior.
É preciso dizer que haverá aqui um bocado de solidão. A realização espiritual, ou seja, amorosa, passa necessariamente pela solidão. Em algum momento você vai ter que encarar a si próprio. Por isso, é fundamental aprender a ficar sozinho e em silêncio. Você também pode chamar essa prática de meditação. Mas eu não quero que você se perca no labirinto de ideias e conceitos. Simplesmente se recolha e permaneça em silêncio.
Honestidade
Honestidade não quer dizer sair por aí dizendo aos outros tudo o que pensamos ser verdade, desconsiderando o fato de que o outro pode não estar pronto para ouvir o que temos a dizer, o que pode gerar mais conflito e mais guerra. Seguir a verdade significa ouvir o chamado do coração.
Se há desconforto e sofrimento na sua vida, significa que ainda há uma camada de mentira envolvendo-o. Seja corajoso para encarar suas mentiras. Sem coragem, você não será capaz de encarar a verdade. Procure identificar as situações em que você ainda não consegue ser honesto consigo mesmo e com a vida. As situações em que você tem que usar uma máscara e não pode ser autêntico e espontâneo. Ou aquelas em que você tem que fingir que é diferente do que é. Dê uma olhada nas diversas áreas da sua vida. Essa é uma tarefa difícil, mas certamente será muito gratificante.
Ação Correta
Ação correta é sinônimo de discernimento e bom senso. Não tem nada a ver com moralismo: a ação correta não depende de uma confirmação do mundo externo. Não é seguir um manual com regras preestabelecidas sobre o que está certo ou errado. Ela é uma ação determinada pela intuição, que é a voz do seu coração. É ter coragem de ser você mesmo, autêntico e espontâneo.
Portanto, não é o comportamento externo que define a ação correta. Um mesmo comportamento pode ou não ser fruto da ação correta, dependendo da motivação interna.
Não violência
Não violência é a ação altruísta ou ação sem ego. É purificar o seu canal de toda brutalidade. Significa deixar de ser canal da destruição e da maldade que provoca sofrimento no outro e em si mesmo, não importa em qual nível.
Amor consciente
Para manifestar o amor consciente é preciso primeiro reconhecer o seu desamor. Procure identificar em quais situações e com quem você ainda não pode ser amoroso. Onde e com quem o seu amor não flui livremente? Em que situações o seu coração se fecha?
Por meio desse processo de limpeza interior descobrimos muitas verdades sobre nós mesmos. Aprendemos como identificar e remover os obstáculos que emergem quando trilhamos o caminho do coração. A cada pedaço de lixo que removemos, abrimos os canais para que nosso amor flua livremente.
Presença
Essa é a chave mestra que ilumina toda escuridão. Então, por que não vamos diretamente para ela? Porque nem todos estão prontos para utilizá-la. A mente humana está muito identificada com traumas e jogos. Por isso, antes de podermos usufruir dessa chave, até que estejamos prontos para ancorar a presença, é necessário passar por um processo de purificação e transformação do eu inferior, esse estágio da consciência sobre o qual iremos falar mais adiante e que está relacionado basicamente aos sofrimentos causados por choques de dor que sofremos ao longo da vida, principalmente na infância.
Serviço desinteressado
Esse é o amor em movimento. É quando você pode se doar verdadeiramente ao outro, sem máscaras, sem necessidade de agradar ou de fazer o que é certo. Você se torna o amor que se move em direção à construção.
Lembrança constante de Deus
Naturalmente você começa a manifestar a lembrança constante de Deus – e convém recordar o que já dissemos antes: quando me refiro a Deus, estou falando do mistério da vida, da centelha divina que habita você, da consciência existente em tudo. Quando pode fazer uso dessa chave, você vê Deus em tudo e em todos. Sua vida se transforma em uma prece, uma oferenda ao grande Mistério. Você se torna capaz de olhar para o outro além das aparências. Você reconhece a divindade em tudo e a reverencia. Esse é um sincero namaste, a saudação frequentemente utilizada no Oriente para saudar e se despedir, pronunciada com as duas mãos juntas em reverência e que significa “O Divino em mim saúda o Divino em você”.
Colocando essas chaves em prática, naturalmente você vivenciará a paz. Essa é a minha experiência.
É importante dizer que, em muitas partes deste livro, faço menção a uma série de termos utilizados nas palestras do Pathwork, metodologia psicoespiritual apresentada por Eva Pierrakos e lindamente codificada nos livros Não temas o mal, Criando união e Entrega ao Deus interior.