Introdução
Adivinhe só. No fim das contas, aonde quer que você vá, é você que está lá. O que quer que você acabe fazendo, é o que acabou fazendo. O que quer que você esteja pensando agora, é o que está na sua mente. O que quer que tenha acontecido com você, já aconteceu. A pergunta que importa é: como lidar com tudo isso? Em outras palavras: “E agora?”
Gostando ou não, este momento é tudo que realmente temos. No entanto é muito fácil levar a vida como se esquecêssemos que estamos aqui, onde já estamos, e que estamos bem no ponto em que já estamos. A cada momento, nos encontramos na encruzilhada do aqui e agora. Mas quando paira a nuvem do esquecimento sobre onde estamos agora, nos perdemos. “E agora?” se transforma num problema real.
Quando falo que nos perdemos, quero dizer que momentaneamente perdemos contato com nós mesmos e com a totalidade de nossas possibilidades. Começamos a ver, pensar e fazer as coisas no piloto automático. Nessas horas, deixamos de acessar o que há de mais profundo em nós, aquilo que nos oferece as maiores oportunidades de criatividade, aprendizado e crescimento. E, se não tivermos cuidado, esses momentos nebulosos podem se estender e se tornar a maior parte da nossa vida.
Para estarmos verdadeiramente em contato com o ponto em que já estamos, não importa qual seja, precisamos criar, em nossa experiência, uma lacuna que dure o tempo necessário para que o momento presente seja assimilado; para que possamos realmente sentir o momento presente, enxergá-lo em sua plenitude, mantê-lo na consciência e, portanto, passar a conhecê-lo e entendê-lo melhor. Só então seremos capazes de aceitar a verdade deste momento na vida, aprender com ele e seguir em frente. No entanto, muitas vezes parece que estamos preocupados com o passado – com o que já aconteceu – ou com um futuro que ainda não chegou. Estamos em busca de outro lugar, onde esperamos que as coisas sejam melhores, mais felizes, mais do jeito que queremos que sejam ou como eram antigamente. Na maior parte do tempo só temos uma noção parcial dessa tensão interna – se é que temos alguma. Além disso, na melhor das hipóteses, só temos uma noção parcial do que exatamente estamos fazendo na vida e com a nossa vida, do impacto que nossas ações e, mais sutilmente, nossos pensamentos têm sobre o que vemos e não vemos, sobre o que fazemos e não fazemos.
Um bom exemplo é que, sem perceber, costumamos supor que o que estamos pensando – as ideias e opiniões que temos em um dado momento – é “a verdade” sobre o que está “lá fora”, no mundo, e “aqui dentro”, na nossa mente. Na maior parte do tempo, não é bem assim.
Pagamos um alto preço por essa suposição equivocada e irrefletida, por ignorarmos quase de bom grado a riqueza do momento presente. As consequências disso se acumulam em silêncio, matizando e tingindo nossa vida sem nos darmos conta, sem que possamos fazer algo a respeito. Pode ser que jamais estejamos onde realmente estamos, jamais entremos em contato com a plenitude das nossas possibilidades. E assim corremos o risco de acabar trancados na ficção pessoal de que já sabemos quem somos, onde estamos e para onde vamos, de que sabemos o que está acontecendo, tudo isso enquanto nossa visão permanece nublada por pensamentos, fantasias e impulsos – em sua maioria sobre o passado e o futuro, sobre o que queremos e gostamos e o que tememos e não gostamos – que se desdobram continuamente, encobrindo a direção que tomamos e o próprio chão em que pisamos.
O livro que você tem nas mãos é sobre despertar desses sonhos e dos pesadelos em que eles costumam se transformar. O fato de nem sequer sabermos que estamos nesse sonho é o que os budistas chamam de “ignorância”, ou desatenção. Estarmos em contato com esse não saber é o que chamam de “atenção plena” – mindfulness. Despertar desses sonhos é a tarefa da meditação, o cultivo sistemático da lucidez, da consciência do momento presente. Esse despertar anda de mãos dadas com o que chamaríamos de “sabedoria”, uma visão mais profunda do processo de causa e efeito e da interconectividade entre as coisas, de modo a não estarmos mais presos numa realidade determinada pelo sonho e criada por nós mesmos. Para encontrar o caminho precisaremos prestar mais atenção neste momento. Este é o único instante que temos para viver, crescer, sentir e mudar. Teremos que estar mais conscientes e nos resguardar da atração incrível dos abismos do passado e do futuro e do mundo onírico que eles nos oferecem no lugar da nossa vida.
Quando falamos de meditação, é importante saber que não se trata de uma atividade esquisita e hermética, como nossa cultura popular pode supor. Meditar não envolve se transformar numa espécie de zumbi, num vegetal, num narcisista autocentrado, em alguém que só olha para o próprio umbigo, um lunático, um fanático, devoto, místico ou filósofo oriental. Trata-se simplesmente de ser você mesmo e saber alguma coisa sobre quem essa pessoa é. De perceber que você, querendo ou não, está num caminho: o caminho que é a sua vida. A meditação pode nos ajudar a notar que esse caminho que chamamos de vida tem direção; que está sempre se desenrolando, a cada momento; e que o que acontece agora, neste momento, influencia o que acontece em seguida.
Se o que acontece agora influencia o que acontece em seguida, será que não faria sentido olhar de vez em quando para o que está à nossa volta de modo a estar mais em contato com o que acontece agora, de modo a nos orientar interna e externamente para perceber com clareza o caminho em que nos encontramos e em que direção ele vai? Se fizermos isso, talvez estejamos numa posição melhor para mapear um rumo mais verdadeiro em relação ao nosso eu interior: um caminho da alma, um caminho com o coração, o nosso caminho, com C maiúsculo. Senão o mero automatismo da inconsciência em relação a este momento transborda para o momento seguinte. Os dias, meses e anos rapidamente passam despercebidos, intocados, desvalorizados.
É fácil demais permanecer com a visão nublada até a sepultura. Ou, no instante de clareza que precede o momento da morte, despertar e perceber que o que pensamos durante todos aqueles anos sobre como a vida deveria ser vivida e sobre o que era importante eram, na melhor das hipóteses, meias verdades irrefletidas, baseadas no medo ou na ignorância. Eram apenas nossas ideias limitadoras de uma vida inteira, e não a verdade ou o modo como a vida deveria ser.
Ninguém pode fazer por nós essa tarefa de despertar, embora nossa família e nossos amigos às vezes tentem desesperadamente estabelecer uma conexão conosco, nos ajudar a enxergar com mais clareza ou nos arrancar da nossa cegueira. Mas despertar é algo que apenas nós podemos fazer por nós mesmos. No fim das contas, aonde quer que você vá, é você que está lá. É a sua vida que está se desenrolando.
Ao final de uma longa jornada dedicada a ensinar a atenção plena, o Buda, que provavelmente possuía sua cota de seguidores esperando que ele os ajudasse a encontrar o próprio caminho mais facilmente, resumiu a questão para seus discípulos: “Seja uma luz para você mesmo.”
Em meu livro anterior, Viver a catástrofe total, tentei tornar o caminho da atenção plena acessível às pessoas comuns, de modo a fazê-lo parecer não algo budista ou místico, mas apenas sensato. Acima de tudo, a atenção plena tem a ver com concentração e percepção – duas qualidades humanas universais. Porém, em nossa sociedade, não costumamos dar valor a essas habilidades nem pensamos em desenvolvê-las sistematicamente a serviço do autoconhecimento e da sabedoria. A meditação é o processo pelo qual aprofundamos a concentração e a percepção, refinando-as e colocando-as a serviço da vida de um modo mais prático.
Viver a catástrofe total pode ser considerado um guia destinado a pessoas que enfrentam dor física ou emocional ou que sofrem o efeito do excesso de estresse. O objetivo era desafiar o leitor e a leitora a perceberem, através da experiência direta de prestar atenção em coisas que frequentemente ignoramos, que pode haver ótimos motivos para integrar a atenção plena ao tecido da vida.
Não que eu estivesse sugerindo que a atenção plena seja algum tipo de panaceia ou solução fácil para os problemas da vida. Longe disso. Não conheço nenhuma solução mágica e, francamente, não é isso que estou procurando. Uma vida plena é pintada com pinceladas largas. Muitos caminhos podem levar ao entendimento e à sabedoria. Ao longo da vida, cada um de nós tem diferentes necessidades a atender e certas coisas que vale a pena buscar. Cada um de nós precisa mapear o próprio rumo – que deve estar de acordo com aquilo para o qual estamos preparados.
Você certamente precisa estar preparado para a meditação. Precisa chegar a ela no momento certo da vida, em que esteja pronto para ouvir com atenção sua própria voz, seu próprio coração, sua própria respiração – simplesmente estar presente para essas coisas e com essas coisas, sem ter que ir a lugar algum nem tornar qualquer coisa melhor ou diferente. Essa é uma tarefa difícil.
Escrevi Viver a catástrofe total pensando nos pacientes que recorrem à nossa clínica de redução do estresse no Centro Médico da Universidade de Massachusetts. Fui levado a fazer isso pelas notáveis transformações na mente e no corpo que muitos deles relataram ao abandonar as tentativas de mudar os problemas sérios que os levaram à clínica. Eles passaram por um período de oito semanas dedicados à disciplina intensiva de se abrir e ouvir que caracteriza a prática da atenção plena.
Como um guia, Viver a catástrofe total precisava oferecer detalhes suficientes para que alguém que estivesse precisando muito pudesse estabelecer cuidadosamente o próprio rumo. Precisava abordar as necessidades prementes de pessoas com graves problemas clínicos e dor crônica, além das que sofriam com diferentes tipos de situações estressantes. Por esses motivos, precisava incluir uma boa quantidade de informações sobre estresse e doença, saúde e cura, além de instruções detalhadas sobre como meditar.
Este livro é diferente. Seu objetivo é oferecer uma breve e rápida compreensão da essência da meditação da atenção plena e suas aplicações. Ele é voltado para pessoas cuja vida pode estar ou não afetada por problemas imediatos de estresse e saúde, particularmente para quem resiste a programas estruturados e não gosta que lhe digam o que fazer – mas tem curiosidade suficiente sobre a atenção plena e sua relevância na tentativa de encontrar sentido por si mesmo, a partir de algumas dicas e sugestões aqui e ali.
Ao mesmo tempo, é indicado também para quem já pratica meditação e deseja expandir, aprofundar e reforçar seu compromisso com uma vida de maior consciência e percepção. Em capítulos curtos, o foco está na essência da atenção plena, tanto na prática formal quanto nos esforços para aplicá-la a todos os aspectos da vida cotidiana. Cada capítulo é um vislumbre de uma das facetas da atenção plena. Os capítulos se relacionam uns com os outros como se fossem rotações minúsculas de um cristal. Alguns podem ser muito similares entre si, mas cada faceta é diferente, única.
Esta exploração do cristal da atenção plena é oferecida a todos aqueles que desejam mapear um rumo em direção a uma vida com mais discernimento e sabedoria. Para isso, só precisamos ter a disposição de olhar profundamente para o momento atual, não importando o que ele guarde, abertos ao que pode ser possível, numa postura de generosidade e gentileza em relação a nós mesmos.
A Primeira Parte explora os motivos e a base lógica para iniciar ou aprofundar uma prática pessoal da atenção plena. A ideia aqui é desafiar o leitor a experimentar, introduzindo a atenção plena em sua vida de vários modos diferentes. A Segunda Parte explora aspectos básicos da prática formal de meditação. Uma prática formal é constituída de períodos determinados de tempo em que deliberadamente interrompemos outras atividades e empregamos métodos específicos para cultivar a atenção plena e a concentração. A Terceira Parte explora uma variedade de aplicações e perspectivas da atenção plena. Alguns capítulos terminam com sugestões para incorporar aspectos da prática formal e informal da atenção plena à nossa vida – elas vêm com o cabeçalho “EXPERIMENTE”.
Este volume contém instruções suficientes para você adotar a prática de meditação por conta própria, sem a necessidade de outros materiais de apoio. No entanto, muitas pessoas acham útil usar trilhas de áudio no início, para ajudá-las a estabelecer uma disciplina diária para a prática formal de meditação e guiá-las com instruções até pegarem o jeito. Outras descobrem que, mesmo depois de anos de prática, ocasionalmente é útil usar algum material de áudio como apoio. Diversos aplicativos, sites e podcasts – em português e inglês – estão disponíveis atualmente e podem cumprir essa função.
Primeira parte
O florescer do momento presente
Só amanhece o
dia para o qual
estamos despertos.
Henry David Thoreau, Walden
O que é atenção plena?
Atenção plena é uma antiga prática budista que tem profunda relevância nos dias de hoje. Essa relevância não tem nada a ver com o budismo propriamente dito ou com se tornar budista, mas tem tudo a ver com despertar e viver em harmonia com nós mesmos e com o mundo. Tem a ver com examinar quem somos, questionar nossa visão do mundo e nosso lugar nele e cultivar algum apreço pela plenitude de cada momento em que estamos vivos. Acima de tudo, tem a ver com certo nível de conexão, com estar em contato.
Do ponto de vista budista, nosso estado de consciência comum quando estamos acordados é severamente limitado e limitante, lembrando, em muitos aspectos, mais um sonho prolongado do que uma vigília. A meditação nos ajuda a despertar desse sono de automatismo e inconsciência, permitindo o acesso a todo o nosso espectro de possibilidades conscientes e inconscientes. Os sábios, iogues e mestres zen vêm explorando esse território sistematicamente há milhares de anos e, nesse processo, aprenderam algo que agora pode ser bastante benéfico no Ocidente para contrabalançar nossa orientação cultural que busca controlar e subjugar a natureza em vez de reverenciar o fato de sermos parte indissociável dela. A experiência coletiva dessas pessoas sugere que, ao fazer uma investigação interior de nossa natureza enquanto seres e, particularmente, da natureza de nossa mente através da auto-observação atenta e sistemática, podemos viver com mais satisfação, harmonia e sabedoria. Além disso, ela também oferece uma visão de mundo complementar à perspectiva predominantemente reducionista e materialista que atualmente domina o pensamento e as instituições ocidentais. Mas essa visão não é particularmente “oriental” nem mística. Já em 1846, na Nova Inglaterra, Thoreau via o mesmo problema em nosso estado mental habitual – e escreveu com grande paixão sobre suas infelizes consequências.
A atenção plena é considerada o coração da meditação budista. Fundamentalmente, é um conceito simples, e sua força reside na prática e em suas aplicações. Trata-se de prestar atenção de um modo específico: com propósito, no momento presente e sem julgamentos. Esse tipo de atenção proporciona maior consciência, clareza e aceitação da realidade do momento presente. Ela nos desperta para o fato de que nossa vida se desenrola apenas em momentos. Se não estivermos totalmente presentes para muitos desses momentos, podemos não somente perder o que há de mais valioso na vida como também deixar de perceber a riqueza e a profundidade de nossas possibilidades de crescimento e transformação.
Além disso, uma percepção reduzida do momento presente inevitavelmente acaba criando outros problemas para nós, pois tendemos a adotar ações e comportamentos inconscientes e automáticos – muitas vezes motivados por inseguranças e temores profundamente arraigados. Se não forem tratados, esses problemas costumam crescer com o tempo, e podem levar a uma sensação de estagnação e desconexão. Com isso, podemos perder a confiança em nossa capacidade de redirecionar nossas energias para caminhos que nos levariam a uma vida com mais satisfação e felicidade, e talvez até mesmo mais saúde.
A atenção plena nos oferece uma rota simples mas poderosa para sair da estagnação e restabelecer a conexão com nossa própria sabedoria e vitalidade. É uma maneira de assumirmos o controle da direção e da qualidade da nossa vida, inclusive dos nossos relacionamentos familiares e da nossa relação com o trabalho, com o mundo mais amplo, com o planeta e – o que é mais importante – com nós mesmos.
A chave para esse caminho – que está na raiz do budismo, do taoismo e do yoga e que também encontramos na obra de pessoas como Ralph Waldo Emerson, Thoreau, Whitman e na sabedoria dos povos nativos americanos – é a apreciação do momento presente e o cultivo de um relacionamento íntimo com ele através de uma atenção contínua, com cuidado e discernimento. É o extremo oposto de simplesmente deixar a vida passar.
O hábito de ignorar o momento presente em favor de outros que ainda estão por vir leva diretamente à falta de consciência acerca da trama da vida em que estamos inseridos. Isso inclui a falta de consciência e compreensão da nossa própria mente e de como ela influencia nossas percepções e nossas ações, o que limita seriamente nossa perspectiva do que significa ser uma pessoa e de como estamos ligados uns aos outros e ao mundo à nossa volta. Tradicionalmente, a religião tem sido o domínio dessas indagações fundamentais dentro de uma abordagem espiritual, mas a atenção plena pouco tem a ver com religião – exceto no sentido mais básico da palavra, como uma tentativa de compreender o mistério profundo da existência e de reconhecer que estamos essencialmente conectados a tudo que existe.
Quando nos comprometemos a prestar atenção de maneira franca e sincera, sem nos tornarmos presas de nossos próprios gostos e aversões, opiniões e preconceitos, projeções e expectativas, novas possibilidades se abrem, e temos a chance de nos libertar da camisa de força da inconsciência.
Gosto de pensar na atenção plena simplesmente como a arte do viver consciente. Você não precisa ser budista nem iogue para praticá-la. Na verdade, se você tem algum conhecimento sobre o budismo, sabe que o ponto mais importante é ser você mesmo, e não tentar se tornar algo que você já não seja. Essencialmente, o budismo envolve estar em contato com sua natureza mais profunda e permitir que ela flua sem qualquer empecilho. Despertar e ver as coisas como são. De fato, a palavra “Buda” significa simplesmente alguém que despertou para sua verdadeira natureza.
Portanto, a atenção plena não entra em conflito com nenhuma crença ou tradição – seja religiosa ou mesmo científica – nem está tentando vender algo a você, especialmente um novo sistema de crença ou alguma ideologia. É simplesmente um modo prático de estar em contato com a plenitude de seu ser através de um processo sistemático de auto-observação, autoindagação e ação consciente. Não há nada de frio, analítico ou insensível nisso. O tom geral da prática da atenção plena é delicado, respeitoso e estimulante. Ela também poderia ser chamada de “coração pleno”.
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Certa vez um estudante disse: “Quando eu era budista, deixava meus pais e meus amigos loucos, mas, agora que sou um buda, ninguém se aborrece.”
Simples, mas não fácil
Apesar de simples, a prática da atenção plena não é necessariamente fácil. Ela exige esforço e disciplina porque as forças que atuam na direção contrária à nossa atenção deliberada – ou seja, a desatenção e o automatismo – são extremamente obstinadas. Elas são tão fortes e estão tão fora de nosso campo da consciência que é necessário um compromisso interior e um certo tipo de trabalho simplesmente para seguir com nossas tentativas de capturar o momento e manter a atenção plena. No entanto esse é um trabalho intrinsecamente gratificante, pois nos coloca em contato com muitos aspectos da vida que costumam ser negligenciados e acabam se perdendo.
Além disso, é esclarecedor e libertador. É esclarecedor no sentido de que nos permite ver com mais clareza – e portanto entender mais profundamente – áreas de nossa vida com as quais não estamos em contato ou que não queremos encarar. Isso pode significar que vamos encontrar emoções profundas – como sofrimento, tristeza, mágoa, raiva e medo – que em geral não nos permitimos olhar nem exprimir de modo consciente. A atenção plena pode também nos ajudar a apreciar sentimentos como alegria, tranquilidade e felicidade, que costumam ser fugazes e passar sem o devido reconhecimento. É libertador porque nos leva a novas maneiras de estar no mundo de forma autêntica – e isso pode nos libertar das valas em que vivemos caindo. Também é algo que nos empodera, pois prestar atenção desse modo abre canais para reservas profundas de criatividade, inteligência, imaginação, clareza, determinação, escolha e sabedoria dentro de nós.
Costumamos ser particularmente desatentos ao fato de que estamos pensando praticamente o tempo todo. O fluxo incessante de pensamentos deixa pouco espaço para o silêncio interior. E deixa um espaço menor ainda para simplesmente ser, sem ter que fazer coisas o tempo todo. Na maioria das vezes nossas ações são impelidas, não realizadas com consciência. Elas são impelidas pelos pensamentos perfeitamente comuns e pelos impulsos que percorrem a mente como um rio ou mesmo como uma cachoeira. Somos apanhados nessa torrente, que acaba submergindo nossa vida e nos levando a lugares aonde talvez não queiramos ir e para onde nem percebemos que estamos indo.
Meditar significa aprender a sair dessa correnteza, sentar-se à margem e ouvi-la, aprender com ela e depois usar suas energias para nos guiar, em vez de nos tiranizar. Esse processo não acontece sozinho, num passe de mágica. Ele exige energia. Chamamos o esforço para cultivar a capacidade de estar no momento presente de “prática”, ou “prática de meditação”.
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Pergunta: Como posso consertar o emaranhado que está abaixo do nível da minha consciência?
Nisargadatta: Estando com você mesmo… observando a si mesmo em sua vida cotidiana com interesse alerta, com a intenção de entender, e não de julgar, com a aceitação plena de qualquer coisa que possa vir à tona por estar lá. Você encoraja o que está no fundo a vir à superfície e enriquecer sua vida e sua consciência com as energias que estavam presas ali. Este é o grande trabalho da consciência: ela remove obstáculos e libera energias ao compreender a natureza da vida e da mente. A inteligência é a porta de entrada para a liberdade, e a atenção alerta é a mãe da inteligência.
Nisargadatta Maharaj, Eu sou aquilo
Pare
As pessoas pensam que a meditação é algum tipo de atividade especial, mas isso não está totalmente correto. A meditação é a própria simplicidade. Em tom de brincadeira, às vezes dizemos: “Apenas sente-se ali e não faça nada.” Mas também não se trata apenas de ficar sentado. É preciso parar e estar presente. Só isso. Na maior parte do tempo corremos de um lado para outro, fazendo coisas. Você é capaz de fazer uma pausa em sua vida, ao menos por um momento? Poderia ser este momento? O que aconteceria se você fizesse isso?
Um bom jeito de parar de fazer tanta coisa é entrar por um instante no “modo ser”. Pense em si mesmo como uma testemunha eterna, atemporal. Simplesmente observe este momento, sem tentar mudá-lo nem um pouco. O que está acontecendo? O que você sente? O que vê? O que ouve?
O curioso de parar é que, assim que faz isso, aqui está você. As coisas ficam mais simples. Em certo sentido, é como se você tivesse morrido e o mundo continuado. Se você realmente morresse, todas as suas responsabilidades e obrigações imediatamente desapareceriam. O que sobrasse seria de algum modo resolvido sem você. Nenhuma outra pessoa poderia assumir a sua agenda pessoal. Ela morreria ou se dissiparia junto com você, assim como aconteceu com todo mundo que já morreu. Portanto você não precisa se preocupar com ela.
Se isso for verdade, talvez você não precise dar mais um telefonema neste momento, mesmo se achar que precisa. Talvez não tenha que ler uma coisa neste momento nem resolver alguma questão. Ao tirar alguns instantes para “morrer de propósito” para o correr do tempo e continuar vivo, você se liberta e pode ter tempo para o presente. “Morrendo” desse jeito, você se torna mais vivo no agora. É isso que parar pode lhe proporcionar. Não há nada de passividade aí. E quando você decidir ir para a vida, é um ir diferente, porque você parou. A parada deixa a vida mais vívida, mais rica, com mais texturas. Ela nos ajuda a manter em perspectiva todas as coisas com as quais nos preocupamos e em relação às quais nos sentimos inadequados. Ela nos dá orientação.
EXPERIMENTE: Ao longo do dia, pare, sente-se e tome consciência da sua respiração de vez em quando. Pode ser por cinco minutos ou por cinco segundos. Entregue-se à aceitação plena do momento presente, inclusive de como você está se sentindo e do que percebe estar acontecendo. Durante esses momentos não tente mudar nada, apenas respire e se entregue. Respire e deixe estar. Morra para a necessidade de fazer qualquer coisa diferente neste momento. Na sua mente e no seu coração, dê permissão a si mesmo para consentir que este momento seja exatamente como é. Permita-se ser exatamente como você é. Em seguida, quando estiver pronto, vá na direção que seu coração mandar, com atenção plena e determinação.
É isso aí
Charge na New Yorker: Dois monges zen de cabeça raspada e usando túnica, um jovem e um velho, estão sentados no chão com as pernas cruzadas. O jovem olha com ar de interrogação para o mais velho, que está virado para ele dizendo: “Nada acontece em seguida. É isso aí.”
É verdade. Normalmente, quando realizamos alguma ação, é natural esperar um resultado desejável para nossos esforços. Queremos ver resultados, ainda que seja somente uma sensação agradável. A única exceção em que consigo pensar é a meditação. A meditação é a única atividade humana intencional e sistemática que, no fundo, fazemos não com a intenção de aperfeiçoar a nós mesmos ou de chegar a algum lugar, mas simplesmente de perceber onde já estamos. Talvez seu valor resida exatamente aí. Talvez todos precisemos fazer algo na vida simplesmente porque sim.
Mas não seria exato se referir à meditação como um “fazer”. Melhor e mais correto seria descrevê-la como um “ser”. Quando entendemos que “é isso aí”, ela nos permite abrir mão do passado e do futuro e despertar para o que somos agora, neste momento.
Em geral as pessoas não entendem isso de imediato. Elas querem meditar para relaxar, para entrar em um estado especial, para se tornar uma pessoa melhor, para reduzir o estresse ou alguma dor, para se livrar de antigos hábitos e padrões,
para se tornar um ser humano livre ou iluminado. Todos esses são motivos válidos para praticar a meditação – mas todos são igualmente repletos de problemas se você esperar que essas coisas aconteçam só porque agora está meditando. Você se deixará levar pelo desejo de ter uma “experiência especial” ou pela busca de sinais de progresso. E, se não sentir algo especial bem depressa, pode começar a duvidar do caminho que escolheu ou a se perguntar se está “fazendo direito”.
Na maioria das áreas de aprendizado isso é razoável. É claro que você precisa ver o progresso, mais cedo ou mais tarde, para continuar fazendo alguma coisa. Mas com a meditação é diferente. Do ponto de vista da meditação, todo estado é um “estado especial”, todo momento é especial.
Quando abrimos mão de querer que algo diferente aconteça neste momento, estamos muito mais perto de poder encontrar o que está aqui agora. Se esperamos chegar a qualquer lugar ou nos desenvolver de algum modo, só podemos partir do ponto em que estamos. Se não sabemos exatamente onde estamos – algo que vem diretamente do cultivo da atenção plena –, podemos apenas andar em círculos, apesar de todos os nossos esforços e expectativas. Assim, na prática de meditação, o melhor modo de chegar a algum lugar é abrindo mão de tentar chegar a qualquer lugar.
···
Se sua mente não está nublada por coisas desnecessárias,
Esta é a melhor época da sua vida.
Wu-men
EXPERIMENTE: De tempos em tempo, relembre a si mesmo: “É isso aí.” Veja se existe alguma coisa à qual isso não possa ser aplicado. Lembre-se de que a aceitação do momento presente não tem nada a ver com resignação diante do que está acontecendo. Significa simplesmente um reconhecimento claro de que o que está acontecendo está acontecendo. A aceitação não lhe diz o que fazer. O que acontece em seguida – o que você opta por fazer – deve resultar da sua compreensão do momento presente. Você pode experimentar agir a partir do conhecimento profundo de que “é isso aí”. Será que isso influencia a maneira como você escolhe seguir em frente ou reagir? Será que você é capaz de contemplar o fato de que, de um modo muito verdadeiro, esta pode ser a melhor época, o melhor momento da sua vida? Nesse caso, o que isso significaria para você?