Introdução

Bem-vindos à prática da atenção plena, também conhecida como mindfulness. Talvez você não tenha consciência disso, mas, se está entrando em contato com o cultivo sistemático da atenção plena pela primeira vez, pode estar no limiar de uma mudança sutil e, ao mesmo tempo, grandiosa, capaz de transformar a sua vida. Dito de outra forma, você vai descobrir que a prática da atenção plena pode lhe dar a sua vida de volta.

No entanto, se a atenção plena acabar mudando a sua vida de alguma forma profunda, não será por causa deste livro, embora ele possa ser útil e eu espere que seja. Qualquer transformação significativa acontecerá basicamente graças aos seus esforços – e talvez em parte graças aos impulsos misteriosos que nos atraem às coisas antes de sabermos ao certo o que são.

Atenção plena é consciência – cultivada através de um foco de atenção prolongado e específico, que é deliberado, voltado ao momento presente e livre de julgamentos. Trata-se de um dos vários tipos de meditação, se você considerar que meditação é qualquer forma de (1) sistematicamente regular nossa atenção e energia, (2) influenciando e possivelmente transformando a qualidade de nossa experiência, (3) a fim de realizar em sua plenitude a nossa humanidade e (4) os nossos relacionamentos com os outros e com o mundo.

Em última análise, vejo a atenção plena como um caso de amor: com a vida, com a realidade e a imaginação, com a beleza de seu próprio ser, com seu coração, seu corpo e sua mente. Com o mundo. Parece muita coisa. E é mesmo. Por isso é tão valioso experimentar sistematicamente o cultivo da atenção plena, e tão saudável adotar uma nova forma de se relacionar com o mundo.

Este livro começou como um programa de áudio da gravadora Sounds True, que as pessoas acharam bastante útil no decorrer dos anos. Esse programa continha algumas práticas de meditação guiadas – as mesmas que estão nos áudios disponíveis em www.sextante.com.br/atencaoplenaparainiciantes e estão descritas na Parte V. Como você vai descobrir, o poder transformador da meditação em geral e, particularmente, da atenção plena está em se dedicar à prática contínua.

Existem duas formas complementares de fazer isso: de maneira formal ou informal. Em termos formais, significa comprometer-se a reservar algum tempo diário para a prática – neste caso, com as meditações guiadas. Em termos informais, significa deixar a prática transbordar para todos os aspectos da sua vida de modo natural, sem forçar. Esses dois tipos de prática caminham lado a lado e se apoiam um no outro, para enfim se tornarem um todo contínuo, que chamamos de viver com consciência, ou estar desperto. Minha esperança é que você use as meditações guiadas regularmente como uma plataforma de lançamento para explorar tanto a prática formal quanto a informal e veja o que acontece nos próximos dias, semanas, meses e anos.

Como veremos, a própria intenção de praticar com regularidade e suavidade – quer você esteja com vontade ou não – é uma disciplina poderosa e terapêutica. Sem esse grau de motivação, especialmente no início, é difícil fazer a atenção plena criar raízes e ser mais que um mero conceito, por mais atraente que seja em termos filosóficos.

O primeiro CD do programa de áudio original descrevia a prática da atenção plena e explicava por que ela poderia ser valiosa. Aquele material formou a base deste livro, que agora vai bem além em termos de escopo, detalhes e profundidade. Mesmo assim, preservei mais ou menos a ordem original dos temas. Também conservei, em grande parte, os pronomes “eu”, “você” e “nós” de propósito, na esperança de manter o tom de diálogo e questionamento.

Tanto no texto como nos áudios, trataremos o tema da atenção plena como se você nunca tivesse ouvido falar do assunto e não tivesse a menor ideia do que é ou da razão por que pode valer a pena integrá-la à sua vida. Vamos destacar, em primeiro lugar, os aspectos centrais da prática e as maneiras de cultivá-la em sua vida diária. Também abordaremos brevemente os benefícios que a atenção plena pode trazer na hora de enfrentar o estresse, a dor e doenças, além de mostrar como pessoas com problemas de saúde usam a meditação no contexto de programas de redução do estresse baseados na atenção plena (também conhecidos pela sigla em inglês MBSR – mindfulness-based stress reduction).

Vamos apresentar novas e empolgantes áreas de pesquisa científica que mostram que o treinamento em atenção plena parece mudar a estrutura e o funcionamento do cérebro de uma forma significativa. Também vamos examinar alguns de seus efeitos na maneira como nos relacionamos com nossos pensamentos e emoções, sobretudo as mais reativas.

Não vou me aprofundar em todos esses temas, pois sua elaboração e seu desenvolvimento são uma aventura permanente e o trabalho de uma vida inteira. Você pode considerar este livro a porta de entrada para algum edifício magnífico, como o Louvre, por exemplo. Só que o edifício é você: sua vida e seu potencial humano. Este é um convite para entrar e depois explorar, da sua própria maneira e em seu próprio ritmo, a riqueza e a profundidade do que está disponível para você – nesse caso, a consciência em todas as suas manifestações concretas e específicas.

Espero que este livro lhe ofereça a base conceitual adequada para que você possa entender por que faz tanto sentido se envolver de corpo e alma em algo tão conceitual. Muitas pessoas não compreendem o grande interesse que a prática da atenção plena vem atraindo, afirmando tratar-se de “muito barulho por nada”. Com este livro, vamos experimentar em primeira mão esse “quase nada”, que contém todo um universo de possibilidades para melhorar a sua vida.

Como prática, a atenção plena proporciona inúmeras oportunidades para você criar uma intimidade maior com a própria mente. Assim, será possível entrar em contato com seus recursos interiores e desenvolvê-los. Você será capaz de aprender, crescer, se curar e transformar sua compreensão de quem é e de como viver com mais sabedoria, bem-estar, sentido e felicidade.

Depois de estabelecer um ponto de partida sólido para a prática usando este livro e as meditações guiadas, você poderá ter acesso a recursos praticamente infinitos se quiser aprender ainda mais sobre a atenção plena. À medida que a sua prática amadurece e se aprofunda, pode ser útil entrar em contato com textos dos grandes mestres do passado e do presente. E participar de um retiro também pode ser um catalisador essencial para fortalecer sua prática. Isso é algo que recomendo fortemente.

Atenção plena para iniciantes pretende oferecer um acesso direto e fácil ao cerne da prática da atenção plena, inclusive a seu cultivo formal e à essência de sua aplicação à vida diária. Esses dois aspectos vão acabar fazendo parte de um trabalho permanente se você decidir dizer “sim” a este convite.

Os capítulos são intencionalmente breves e pretendem estimular a reflexão e encorajá-lo à prática. Com o tempo, à medida que a sua prática se enraizar e se aprofundar – o que vai ocorrer se você persistir –, minhas palavras poderão assumir diferentes sentidos para você. Assim como dois instantes nunca são iguais e duas respirações nunca são idênticas, cada vez que você refletir sobre um capítulo e aplicar seus conceitos ao laboratório de sua prática de meditação e da vida, é provável que ele toque você de forma diferente. Como virá a descobrir pela própria experiência, existe uma trajetória de aprofundamento na prática que vai conduzi-lo como um rio. Ao ser levado pela regularidade, com o tempo você vai descobrir uma conjunção interessante entre sua experiência e o que as palavras deste livro sugerem.

Ao iniciar seu treinamento, talvez você queira escolher uma das meditações guiadas e testá-la por alguns dias para ver como se sente e o que ela evoca em você. Não basta ouvi-la. O convite é para participar, para se entregar à prática de corpo e alma, momento a momento, da melhor forma possível. Você poderá então usar o texto para refinar a experiência, investigando e questionando sua compreensão do que realmente pretende ao fazer o esforço de direcionar sua atenção para aspectos da vida que costumamos rejeitar ou ignorar por completo.

Num sentido bem realista, você está embarcando numa aventura permanente de investigação e descoberta sobre a natureza da sua mente e do seu coração. Você vai descobrir como viver com mais presença, sinceridade e autenticidade – não apenas para melhorar a sua vida, mas também para aprimorar o relacionamento com seus entes queridos, com todos os seres e com o próprio mundo. Em todos os aspectos, o mundo pode ser o maior beneficiário de seu cuidado e sua atenção.

A escuta profunda é a essência da atenção plena – o cultivo da intimidade com o desenrolar de sua própria vida, como se realmente importasse. E importa. Mais do que você pensa.

Assim, ao embarcar nesta aventura, que sua prática cresça, floresça e nutra sua vida e seu trabalho, de momento a momento, dia após dia.

PARTE I

PONTO DE PARTIDA

Mente de iniciante

Costuma ser uma ocasião importante parar intencionalmente toda a atividade voltada ao exterior e, como um mero experimento, sentar ou deitar e se abrir para uma imobilidade interior sem nenhuma outra intenção além de estar presente para o desenrolar dos seus momentos – talvez pela primeira vez na vida adulta.

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As pessoas que conheço que incorporaram a prática da atenção plena às suas vidas se lembram muito bem do que as atraiu inicialmente, recordando inclusive o tipo de sentimento e as circunstâncias que as levaram ao ponto de partida. Eu sem dúvida me lembro. O estado emocional do momento do início da prática – ou mesmo do momento em que você se dá conta de que quer se conectar consigo mesmo dessa forma – é rico e único para cada um de nós.

Suzuki Roshi, o mestre zen japonês que fundou o Centro Zen de São Francisco e tocou o coração de tantas pessoas, é famoso por haver declarado: “Na mente do iniciante há muitas possibilidades, mas na do especialista há poucas.” Os iniciantes se entregam a novas experiências sem saber muita coisa e, portanto, com a mente aberta. Essa abertura é muito criativa. É uma característica inata da mente. O segredo está em nunca perdê-la. Para isso, você deveria permanecer no estado de deslumbramento com o momento presente, que é sempre novo. É claro que, de certa forma, você perderá a mente de iniciante quando deixar de sê-lo. Mas, se conseguir lembrar a todo tempo que cada momento é novo e diferente, talvez, apenas talvez, o que você já sabe não vá fazer com que se feche ao que não sabe – que é sempre um campo muito mais amplo. Portanto você pode ter acesso a uma mente de iniciante a qualquer momento, desde que esteja aberto a ela.

A respiração

Normalmente não damos valor à respiração, a não ser quando estamos com um forte resfriado ou não conseguimos respirar direito por um ou outro motivo. Aí, de repente, a respiração pode se tornar a única coisa que parece nos interessar.

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Mesmo que você não perceba, o fôlego está entrando e saindo do seu corpo o tempo todo. Sorvemos o ar a cada inspiração, devolvendo-o ao mundo a cada expiração. Nossa vida depende disso. Suzuki Roshi referiu-se a esse movimento repetitivo como uma “porta vaivém”. E, como não podemos sair de casa sem essa atividade vital e misteriosa, nossa respiração pode servir como um primeiro objeto ao qual voltar a atenção para nos trazer de volta ao momento presente, porque sempre estamos respirando no agora – a última expiração acabou, a próxima inspiração ainda não chegou. Assim, para nossa atenção errante, a respiração é uma âncora ideal, capaz de nos manter no momento presente.

Esse é um dos motivos por que as sensações que a respiração produz no corpo costumam ser o primeiro objeto de atenção para iniciantes em muitas tradições meditativas. Mas prestar atenção nos efeitos da respiração sobre o corpo não é apenas para principiantes. Pode ser algo simples, mas o próprio Buda ensinou que a respiração contém em si tudo que você precisa para cultivar a plenitude de sua humanidade, especialmente sua sabedoria e sua compaixão.

A razão, como veremos em breve, é que prestar atenção na respiração não tem a ver exatamente com a respiração. Nenhum objeto a que voltamos a atenção é importante por si mesmo. Os objetos da atenção nos ajudam a estar presentes de forma mais estável. Assim podemos começar a perceber que o que importa de verdade é o próprio ato de estar presente. É a relação entre aquele que percebe (você) e o que é percebido (qualquer objeto de atenção). Esses dois elementos se juntam num todo contínuo e dinâmico na consciência, porque, fundamentalmente, nunca estiveram separados.

É a consciência que importa.

Quem está respirando?

É uma pretensão achar que você está respirando, ainda que digamos o tempo todo: “Eu estou respirando.”

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Claro que você está respirando.

Mas, verdade seja dita: se manter a respiração acontecendo dependesse de você, você já teria morrido faz tempo. Mais cedo ou mais tarde iria se distrair com isto ou aquilo… e, pimba!, estaria morto. Assim, em certo sentido, “você”, seja lá quem for, está muito longe de ser o responsável pela respiração de seu corpo. O cérebro já está cuidando disso. O mesmo ocorre com os batimentos cardíacos e muitos outros aspectos essenciais de nossa biologia. Podemos até ter alguma influência em sua expressão, especialmente na respiração, mas não é justo dizer que estamos realizando a respiração. Trata-se de algo bem mais misterioso e assombroso do que isso.

Logo, essa constatação leva à questão de quem está respirando. Quem está começando a meditar e a cultivar a atenção plena? Quem está lendo estas palavras? Vamos encarar essas questões fundamentais com mente de iniciante para entender o que está realmente em jogo no cultivo da atenção plena.