PREFÁCIO
DE JON KABAT-ZINN
Hoje em dia, muito se fala sobre a atenção plena, conceito também conhecido como mindfulness. E essa é uma ótima notícia, pois estamos profundamente carentes de um elemento imaterial em nossa vida. Às vezes temos a sensação de que o que está faltando, no fundo, somos nós próprios – nossa disposição para aproveitar a existência de forma plena, agindo como se ela realmente importasse, vivendo o único momento que temos de fato: o presente. Esta é uma intuição transformadora.
Nesse sentido, a atenção plena pode parecer uma boa ideia, mas é muito mais do que isso. Você pode pensar “Ah, sim, serei mais focado e menos crítico, e tudo ficará melhor. Por que não pensei nisso antes?”. Acontece que somente pensar assim dificilmente traz mudanças objetivas. Para ser eficaz, a atenção plena requer um engajamento concreto. Outra maneira de explicar isso, como observam Mark Williams e Danny Penman neste livro, é que a atenção plena é, na verdade, uma prática. É um estilo de vida, e não apenas uma boa ideia, uma técnica inteligente ou uma moda passageira. É um conceito que data de milhares de anos e costuma ser citado como “o coração da meditação budista”, embora sua essência seja universal.
A prática da atenção plena exerce uma influência poderosa sobre a saúde, o bem-estar e a felicidade, como atestam as evidências médicas e científicas apresentadas neste livro. Porém, por ser uma prática e não um conceito abstrato, seu cultivo é um processo, que se desenrola e se aprofunda com o tempo. É mais eficaz se você a assume como um compromisso sério consigo mesmo, o que exige persistência e disciplina, e, ao mesmo tempo, certa dose de despreocupação e leveza. Essa leveza, aliada a um envolvimento constante e profundo, é uma característica do treinamento da atenção plena em todas as suas diferentes formas.
É muito importante ter uma boa orientação ao longo desse caminho, pois muita coisa está em jogo: sua qualidade de vida, seus relacionamentos, seu bem-estar, seu equilíbrio mental, sua felicidade e sua postura diante das dificuldades. Tenho certeza de que as mãos experientes de Mark Williams e Danny Penman podem guiá-lo nesse processo. O programa que eles apresentam se apoia nos estudos sobre a redução do estresse e na terapia cognitiva, ambos com base na atenção plena. Ele está organizado como um plano de oito semanas para auxiliar todos aqueles que se importam em manter a saúde física e mental neste mundo frenético.
Gosto especialmente das sugestões simples que Mark e Danny oferecem para rompermos os hábitos e da maneira como eles revelam nossos padrões de pensamento e comportamento mais inconscientes.
Enquanto você se coloca nas mãos dos autores para ser orientado, está se colocando também nas próprias mãos, comprometendo-se a seguir as sugestões, a se envolver nas diferentes práticas de mudanças de hábitos e a prestar atenção ao que acontece quando começa a viver o agora. Esse compromisso é um ato radical de confiança e fé em si mesmo. O programa inspirador oferecido aqui, aliado a essa nova crença em sua capacidade de operar mudanças, pode ser a grande oportunidade de sua vida, uma chance de aprender a aproveitar cada momento de forma mais plena.
Mark Williams é meu colega de trabalho, coautor em alguns trabalhos e bom amigo há vários anos. Ele é um dos mais importantes pesquisadores do mundo no campo da atenção plena, e foi pioneiro no estudo e na divulgação de seus conceitos. Junto com John Teasdale e Zindel Segal, criou a terapia cognitiva com base na atenção plena, que tem ajudado muito na recuperação de pacientes vítimas de depressão. Também fundou o Centre for Mindfulness Research and Practice na Universidade de Bangodo e o Oxford Mindfulness Centre, dois grandes centros de pesquisa que estão na vanguarda do uso de intervenções clínicas com base nas técnicas de atenção plena.
Agora, ao lado do jornalista Danny Penman, Mark apresenta este guia prático sobre a atenção plena e seu cultivo. Espero que você obtenha grandes benefícios ao se dedicar a este programa e aceite o convite para descobrir como se relacionar de forma mais sábia e gratificante com sua preciosa vida.
Jon Kabat-Zinn
Boston, Massachusetts
Dezembro de 2010
CAPÍTULO UM
Correndo atrás da própria cauda
Você consegue se lembrar da última vez que esteve deitado na cama lutando contra seus pensamentos? Você queria que sua mente se acalmasse, apenas se aquietasse, para que pudesse adormecer. Mas nada funcionava. Cada vez que se forçava a não pensar, seus pensamentos explodiam com força renovada. Você dizia a si mesmo que não deveria se preocupar, mas subitamente descobria inúmeras novas preocupações. Virava de um lado para outro tentando encontrar uma posição mais confortável. Não adiantava. Conforme a noite avançava, sua força progressivamente se exauria, e você se sentia frágil e fracassado. Na hora que o despertador tocava, você estava exausto, mal-humorado e destruído.
Ao longo do dia seguinte, você tinha o problema oposto – queria se manter acordado, mas não conseguia parar de bocejar. Esforçava-se para se concentrar no trabalho, mas não conseguia. Seus olhos estavam vermelhos e inchados. Seu corpo inteiro doía e sua mente parecia vazia. Você fitava as pilhas de papéis em sua escrivaninha, esperando que alguma coisa, qualquer coisa, lhe desse energia para enfrentar o dia de trabalho. Nas reuniões, você mal conseguia manter os olhos abertos e contribuir com algo minimamente inteligente. Você se sentia cada vez mais ansioso e estressado.
Talvez isso seja comum em sua vida. Por isso escrevemos este livro: para ajudar você a encontrar a paz e o contentamento numa época frenética como a nossa. Ou melhor, a redescobrir a paz e o contentamento, pois existem profundas fontes de tranquilidade dentro de todos nós, embora estejamos confusos e cansados demais para perceber.
Sabemos que isso é verdade porque temos estudado esse assunto por mais de trinta anos na Universidade de Oxford e em outras instituições ao redor do mundo. Esse trabalho descobriu o segredo da felicidade sustentada e os meios de enfrentar a ansiedade, o estresse, a exaustão e até mesmo a depressão.
Esse conhecimento era disseminado no mundo antigo e é mantido até hoje em certas culturas. Mas, na cultura ocidental, muitas pessoas esqueceram como viver uma vida agradável e alegre. E, pior, se esforçam tanto para serem felizes que acabam desperdiçando seus momentos mais importantes e destruindo a paz que vinham buscando.
Escrevemos este livro para mostrar onde a felicidade, a paz e o contentamento podem ser encontrados e como você pode redescobri-los. Ele ensina técnicas para se libertar da ansiedade, do estresse, da infelicidade e da exaustão. Não prometemos felicidade eterna, pois sabemos que todos passam por períodos de dor e sofrimento, e seria ingênuo negar esse fato. Mas, mesmo assim, é possível ter uma alternativa à luta implacável que permeia grande parte de nossa vida.
Nas páginas seguintes apresentamos uma série de práticas simples que você pode incorporar à sua rotina. Elas são fundamentadas na terapia cognitiva com base na atenção plena (também conhecida pela sigla em inglês MBCT – mindfulness-based cognitive therapy), que se originou da obra de Jon Kabat-Zinn, professor e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de Massachusetts e que assina o prefácio. O programa foi originalmente desenvolvido por Mark Williams (coautor deste livro), John Teasdale (da Universidade de Cambridge) e Zindel Segal (da Universidade de Toronto), com o objetivo de ajudar pessoas que sofriam de crises repetidas de depressão a superar a doença. Ficou clinicamente provado que essa prática reduz à metade o risco de reincidência em pacientes que já tiveram as formas mais debilitantes da doença. É tão eficiente quanto o tratamento com antidepressivos, mas sem os efeitos colaterais. Na verdade, é tão eficaz que passou a ser um dos tratamentos mais recomendados pelo Instituto Nacional de Excelência Clínica do Reino Unido.
A técnica da terapia cognitiva com base na atenção plena gira em torno de uma forma de meditação que era pouco conhecida no Ocidente até recentemente. A meditação que a técnica propõe é tão simples que pode ser feita por qualquer pessoa. Além de ajudar a resgatar a alegria de viver, ela também impede que as sensações normais de ansiedade, estresse e tristeza se transformem em infelicidade crônica ou até mesmo depressão.
Meditação de um minuto
1. Sente-se ereto em uma cadeira com encosto reto. Se possível, afaste um pouco as costas do encosto da cadeira para que sua coluna vertebral se sustente sozinha. Seus pés podem repousar no chão. Feche os olhos ou abaixe o olhar.
2. Concentre a atenção em sua respiração enquanto o ar flui para dentro e para fora de seu corpo. Perceba as diferentes sensações geradas por cada inspiração e expiração. Observe a respiração sem esperar que algo de especial aconteça. Não há necessidade de alterar o ritmo natural.
3. Após alguns instantes, talvez sua mente comece a divagar. Ao se dar conta disso, traga sua atenção de volta à respiração, suavemente. O ato de perceber que sua mente se dispersou e trazê-la de volta sem criticar a si mesmo é central para a prática da meditação da atenção plena.
4. Sua mente poderá ficar tranquila como um lago – ou não. Ainda que você obtenha uma sensação de absoluta paz, poderá ser apenas fugaz. Caso se sinta irritado ou entediado, perceba que essa sensação também deve ser fugaz. Seja lá o que aconteça, permita que seja como é.
5. Após um minuto, abra os olhos devagar e observe o aposento novamente.
Uma meditação típica consiste em concentrar toda a atenção na respiração (ver quadro “Meditação de um minuto” acima). Isso permite que você observe os pensamentos surgindo em sua mente e, pouco a pouco, pare de lutar contra eles. Assim, você começa a perceber que os pensamentos vêm e vão por si próprios, e descobre que você não é seus pensamentos. Você pode observá-los enquanto aparecem de repente e enquanto desaparecem como uma bolha de sabão. Ao se dar conta disso, fica claro que pensamentos e sensações (mesmo os negativos) são transitórios e que você tem a opção de agir com base neles ou não.
A atenção plena consiste em observar sem criticar e em ser compassivo consigo mesmo. Quando a infelicidade e o estresse ocupam sua cabeça, em vez de levá-los para o lado pessoal, você aprende a tratá-los como se fossem apenas nuvens negras e a observá-los com curiosidade enquanto se afastam. Em essência, a atenção plena permite que você capte os padrões dos pensamentos negativos antes que eles o lancem em uma espiral descendente. Esse é o início do processo para retomar o controle de sua vida.
Com o tempo, a atenção plena provoca mudanças de longo prazo no estado de humor e nos níveis de felicidade e bem-estar. Estudos científicos mostram que a prática da atenção plena não só previne a depressão, como afeta positivamente os padrões cerebrais responsáveis pela ansiedade e pelo estresse do dia a dia, fazendo com que, uma vez instalada, essa condição se dissolva com mais facilidade. Outros estudos demonstraram que pessoas que meditam regularmente vão ao médico com menos frequência e passam menos dias no hospital quando são internadas. Além disso, a memória melhora, a criatividade aumenta e as reações se tornam mais rápidas (ver quadro sobre os benefícios da meditação a seguir).
Os benefícios da meditação da atenção plena
Estudos mostram que os meditadores regulares são mais felizes e mais satisfeitos do que a média das pessoas.1 Esses resultados têm uma importante repercussão na saúde, já que as emoções positivas estão associadas a uma vida mais longa e saudável.2
- A ansiedade, a depressão e a irritabilidade diminuem com sessões regulares de meditação.3 A memória melhora, as reações se tornam mais rápidas e o vigor mental e físico aumenta.4
- Os meditadores regulares têm relacionamentos melhores e mais gratificantes.5
- Estudos feitos no mundo todo comprovam que a prática da meditação reduz os principais indicadores do estresse crônico, incluindo a hipertensão.6
- A meditação é eficaz também para reduzir o impacto de doenças graves, como dor crônica7 e câncer,8 podendo até auxiliar no combate à dependência de drogas e álcool.9
- Além disso, pesquisas indicam que a meditação fortalece o sistema imunológico, ajudando a combater resfriados, gripe e outras doenças.10
Apesar desses benefícios comprovados, muitas pessoas ainda ficam desconfiadas quando ouvem a palavra “meditação”. Assim, antes de avançarmos, seria bom fazer algumas considerações e refutar alguns mitos:
- A meditação não é uma religião. A atenção plena é apenas um método de treinamento mental. Muitas pessoas que meditam são religiosas, porém inúmeros ateus e agnósticos são meditadores contumazes.
- Você não precisa se sentar no chão de pernas cruzadas (como nas fotos que provavelmente viu nas revistas e na TV), mas pode, se quiser. A maioria das pessoas se senta no chão ou em cadeiras para meditar, mas você pode praticar a atenção plena em qualquer lugar, a qualquer momento: no ônibus, no metrô ou enquanto caminha.
- Praticar a atenção plena não exige muito tempo, mas é preciso ter paciência e persistência. Muita gente nota que a meditação alivia
as pressões cotidianas, liberando tempo para gastar com coisas mais importantes.
- A meditação não é complicada. Não tem nada a ver com “sucesso” ou “fracasso”. Mesmo quando sentir dificuldades para meditar, você vai aprender algo valioso sobre o funcionamento da mente e se beneficiar psicologicamente.
- A meditação não vai entorpecer sua mente nem impedi-lo de se empenhar para ter uma carreira brilhante. Também não vai obrigá-lo a adotar uma postura de Poliana diante da vida. A meditação não implica aceitar o inaceitável, mas ver o mundo com clareza para ser capaz de tomar atitudes mais sábias para mudar o que precisa ser mudado. A prática da atenção plena ajuda a cultivar uma consciência profunda e compassiva que nos permite avaliar nossas metas e encontrar o melhor caminho para agir de acordo com nossos verdadeiros valores.