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Mutação do vírus da COVID? Novos lockdowns e fronteiras fechadas? Como será o amanhã?
NÃO FICÇÃO

Mutação do vírus da COVID? Novos lockdowns e fronteiras fechadas? Como será o amanhã?

Escrita a quatro mãos pela advogada e colunista do jornal português Observador e da revista Glamour Ruth Manus e pelo correspondente internacional do UOL e do Grupo Bandeirante Jamil Chade, 10 histórias para entender um mundo caótico é uma obra pautada pelo impacto do coronavírus no mundo.

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Escrita a quatro mãos pela advogada e colunista do jornal português Observador e da revista Glamour Ruth Manus e pelo correspondente internacional do UOL e do Grupo Bandeirantes Jamil Chade, 10 histórias para tentar entender um mundo caótico é uma obra pautada pelo impacto do coronavírus no mundo.

A pandemia varreu o planeta e superou até mesmo as mais pessimistas previsões relacionadas a infecções e óbitos. A Europa e os Estados Unidos já enfrentam a segunda onda, que também dá sinais evidentes no Brasil. Diversas nações retomaram o lockdown e os números não dão alento.

O caminho para a vacina e a superação da crise está em curso, mas ainda há muitas perguntas sem respostas e tudo leva a crer que 2021 também será ditado pelo efeito do novo vírus. Haverá vacina para todos os países e as populações mais desassistidas? A acentuada desigualdade entre os países ficará ainda mais evidente? Os países ricos serão beneficiados, enquanto os mais pobres agonizam? Tudo indica que 10 histórias para tentar entender um mundo caótico permanecerá urgente e necessário no ano que se aproxima.

Confira a seguir as revelações do trecho extraído do capítulo Doença X. Jamil Chade e Ruth Manus refletem sobre os sucessivos avisos da OMS em relação ao perigo de um vírus desconhecido, altamente infeccioso e mortal se tornar uma grande ameaça para a humanidade. 

Se a pandemia do coronavírus transformou o mundo, levou a economia mundial à paralisia e redefiniu a operação de saúde de governos, a realidade é que a OMS já temia há anos o desembarque de uma doença que poderia ter um impacto devastador. O alerta foi dado. E quase ninguém escutou.

Tudo começou quando a OMS e a comunidade internacional entenderam que a epidemia de Ebola tinha perdido força antes que medidas de saúde ou remédios fossem de fato criados. Em 2016, diante dessa constatação, a organização lançou uma iniciativa para tentar reduzir o tempo para o desenvolvimento de respostas como testes, diagnósticos e kits. Além disso, era preciso encontrar alguém para financiar o projeto.

O desafio era de uma proporção inédita. Cientistas acre- ditam que, de 1940 até hoje, mais de 400 doenças infecciosas surgiram no planeta. Ainda que as bactérias representem mais de 50% delas, foram os vírus que causaram os maiores impactos: HIV, H1N1, H5N1 e o Ebola.

Mas as estimativas apontam que existem 1,6 milhão de vírus desconhecidos no planeta, dos quais até 800 mil poderiam atingir as pessoas. Os cientistas, porém, conhecem plenamente apenas 0,4% deles.

Diante desse cenário, a OMS reuniu a elite da ciência mundial em volta de uma mesa. Cada um daqueles homens e mulheres era especializado num determinado setor. Juntos, tinham a missão comum de encontrar caminhos para identificar riscos e pre- parar o mundo.

Um deles era Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, uma entidade que reúne cientistas e pesquisadores na busca de soluções para ameaças à saúde. Anos depois, encontrei-me com Daszak, que me contou como o debate levou à escolha de áreas prioritárias de pesquisa e à definição de uma lista das maiores ameaças ao planeta. Nela estavam a febre hemorrágica Crimea-Congo, o Ebola, a Lassa, a Mers-CoV, a Sars e até o Zika.

Mas havia ainda outra ameaça: a de uma pandemia a partir de um agente desconhecido. Ao final de uma das reuniões em Genebra, um dos membros do grupo sugeriu um nome para essa ameaça: “Doença X”.

No dia 7 de fevereiro de 2018, a Doença X foi oficialmente colocada na lista da OMS como prioridade e o alerta foi enviado a todos os governos. O objetivo de reconhecer o risco era convocar governos e pesquisadores a se prepararem para o eventual desembarque de uma pandemia. Um ano depois, a OMS apontou a Doença X como um dos 10 maiores riscos para a saúde do mundo.

Ao contrário do senso comum, a Doença X não seria violenta e rápida como o Ebola. Tal surto tem demonstrado sérias dificuldades de sair do continente africano por conta do impacto quase imediato que tem sobre as pessoas contaminadas, que rapidamente morrem ou ficam incapazes de sair de suas camas.

No cenário desenhado pelos cientistas, a Doença X proliferaria em todo o planeta se fosse um vírus que deixasse muita gente sem sintomas ou apenas com um leve mal-estar. Tal situação levaria os contaminados a continuar trabalhando, viajando e circulando, contribuindo para disseminar a doença. Mas, para uma parcela da população, o vírus seria letal. Resultado: em poucas semanas o agente teria viajado o mundo, levando a crise a ter diferentes epicentros ao mesmo tempo e causando milhares de mortes.

Dois anos depois, a realidade imposta sobre o planeta mostrou que os cientistas estavam certos. Mas a mobilização internacional jamais ocorreu. Quando eu voltei a encontrar Daszak, em plena pandemia do coronavírus, ele fez mais um alerta: a Covid-19 não é a Doença X. Ela é apenas a primeira Doença X. Outras virão, segundo ele. Será que desta vez vamos dar ouvidos à ciência? 

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