Prefácio
Umas poucas (e boas) impressões do primeiro leitor brasileiro desta história portuguesa, com certeza.
Jornalista e escritor português conhecido como autor de romances históricos, entre os quais se destacam O profeta do castigo divino e A mão esquerda de Deus, Pedro Almeida Vieira (Coimbra, 1969) envereda aqui numa incursão transatlântica: da descoberta, ou achamento, do Brasil, até a sua independência, em 1822. Como Assim se pariu o Brasil é um título que aos ouvidos brasileiros pode soar trocista, digamos logo tratar-se de um projeto a ser levado a sério, tanto pelo seu esforço de reportagem para abarcar as aventuras e desventuras lusitanas nestes trópicos — movidas por bravura, ambições desmedidas, cobiça, atrocidades —, quanto pelo distanciamento crítico que o isenta da exaltação, tão ao gosto dos comendadores, ao mundo que o português criou em selvas e águas de sonho, som e fúria. Sem esquecermos o engendramento do vai e vem dos episódios que se entrecruzam em períodos os mais variados, com organicidade e fluidez, assim como a sagacidade do texto, os toques de ironia… Ou seja, não lhe faltam sal e pimenta para a sua degustação neste lado do Atlântico.
Sim, o que temos aqui é um painel da conquista e dominação de um vasto território ignoto, na quarta parte do mundo, por um pequeno país europeu, em desigualdade populacional para ocupá-lo, mas aliando determinação, ousadia e vantagem bélica: canhões, espingardas e espadas contra arcos, flechas e tacapes. E que ainda assim teve de suportar muitos combates dos nativos até impor a sua força, vindo a exterminá-los inapelavelmente, como aconteceu com os tupinambás do Rio de Janeiro e todas as tribos aglutinadas na Confederação dos Tamoios, na batalha que levou à conquista definitiva da cidade pelo general Mem de Sá, em 1567.
Pedro Almeida Vieira embrenha-se nos cipoais do tempo — os alfarrábios da História, melhor dizendo — para nos dar uma visão paradidática dos acontecimentos. O que quer dizer que este seu livro pode até vir a servir de reforço escolar, pelo encadeamento sequenciado dos fatos e clareza de linguagem — afinal, ele tem no jornalismo a sua marca de origem.
E isto, sem dúvida, confere à sua narrativa uma alta legibilidade, sem entraves sintáticos ou dialetais, o que em muito facilitará o seu acesso aos leitores brasileiros, que assim poderão ter, sem pestanejar, uma noção do conjunto da obra dos portugueses no Brasil-Colônia. Em pauta, conflitos, insurreições, selvagerias, despotismos, perversões e revoltas, envolvendo índios, escravos, jesuítas, bandeirantes, franceses, holandeses, nacionalistas.
Da ganância, alvoroço, homicídios e contrabandos na região aurífera das Minas Gerais ele extrai uma pepita literária, atribuída a um certo conde de Assumar, que, em tom dramático e desperançado, escreveu:
[…] a terra parece que evapora tumultos; a água exala motins; o ouro toca desaforos; destilam liberdades os ares; vomitam insolências as nuvens; influem desordens os astros; o clima é tumba da paz e berço da rebelião; a natureza anda inquieta consigo e amotinada por dentro. É como no Inferno.
Condensar em um único tomo uma história que, a bem dizer, começa pela célebre carta de Pero Vaz de Caminha a El-Rey D. Manuel I, o Venturoso, e avança por quatro séculos, não deixa de ser uma proeza. Certamente Pedro Almeida Vieira teve de fazer escolhas, ao optar pelas versões que lhe pareceram mais plausíveis. E muitas delas sujeitas a questionamentos, na contemporaneidade. Como, por exemplo, a do acaso que teria levado ao descobrimento do Brasil, em decorrência do desvio de rota de Pedro Álvares Cabral, incumbido pela Coroa portuguesa de seguir para as Índias, em busca de precioso carregamento de especiarias. Sabe-se hoje que um integrante da frota de Cabral, o navegador e cosmógrafo Duarte Pacheco Pereira, já havia realizado uma expedição ao litoral que vai do Maranhão ao Pará, em 1498, com o objetivo de verificar a existência de terras na parte portuguesa do Tratado de Tordesilhas (sobre o qual Pedro Almeida Vieira conta tudo).
Confusões, equívocos e lendas são hoje contabilizados ao segredo de Estado que Portugal impôs às viagens ao Brasil nos príncipios dos anos de 1500, para não atiçar seus maiores concorrentes nos mares, os espanhóis. Embarcar neles de vez em quando é correr atrás de pontos que precisam ser acrescentados aos contos já contados. E assim vão os pesquisadores, de tempos em tempos, proas contra a corrente, a erguer o emblema de George Orwell: “Aquele que tem o controle do passado, tem o do futuro.”
Antônio Torres