Uma introdução
O princípio dos princípios
Mesmo entre as mais importantes leis da ciência, muitas descobertas foram feitas por acaso. Pelo menos, é assim que reza a lenda. Dizem que Newton cochilava sob uma árvore quando a lei da gravidade literalmente caiu sobre sua cabeça, em forma de maçã. Dizem que foi tomando banho que Arquimedes enfim entendeu a hidrostática, desenvolvendo o princípio da física que passou a levar seu nome. Dizem até que, em tamanho êxtase pela descoberta, o matemático grego esqueceu-se da roupa e saiu nu pelas ruas de Siracusa gritando “Eureca!” – que, em grego, significa algo parecido com “encontrei”.
Pois bem, com a lei aqui apresentada não foi diferente. Pode-se dizer que ela surgiu numa mesa de bar, nos tempos de faculdade, sob o calor daquela fase da vida em que somos puro potencial, guardiães de um tipo de otimismo em estado bruto que, anos mais tarde, chamaremos saudosamente de ingenuidade.
Talvez por isso – por ser filha da casualidade e das conversas entre amigas com tanto em comum – seja difícil determinar ao certo quem falou em “quarentena amorosa” pela primeira vez. A verdade é que, naquele momento, nenhuma de nós pensava no assunto como algo a ser levado a sério. Era nossa piada de turma, nossa memória gostosa dos verões ensolarados, nossa cumplicidade no fim das paqueras. Naquele tempo, a quarentena amorosa não era muito mais do que um conceito vago de que deveríamos andar mais arrumadas depois de um fora – dado ou recebido –, porque assim seria mais fácil esbarrar no sujeito depois das aulas ou simplesmente encontrar um substituto para sua vaga.
Mas chega uma hora na vida em que as relações afetivas começam a importar de verdade – e, não raro, a machucar também para valer. Aconteceu comigo, aconteceu com algumas dessas amigas e com outros que o tempo e a profissão foram me trazendo de presente. Foi então que aquela descoberta começou a se consolidar dentro de mim, a receber novas nuances, a ganhar corpo e princípios claros. Aos poucos, todos eles foram testados, em diferentes ocasiões. Por mim, por outras mulheres, por alguns homens.
Hoje, quase duas décadas depois, aquela brincadeira virou este pequeno guia, que eu decidi colocar em livro por uma única razão: dá certo. Ainda me surpreendo pensando nisto, mas, todas as vezes em que foi realmente colocada em prática, a quarentena amorosa pareceu funcionar a contento.
Ela é formada por um conjunto de princípios, com ações relativamente simples, que não requerem grandes investimentos financeiros nem aptidões e que, portanto, estão acessíveis a qualquer pessoa, de qualquer idade ou religião, em qualquer estrato social ou forma física. Procurei dividir as ações por capítulos, explicar o princípio que originou cada uma delas e ilustrar com histórias verdadeiras de mulheres e homens que foram, sem que eu mesma soubesse, minhas cobaias nessa teoria. Para protegê-los de inconvenientes, seus nomes foram substituídos e suas histórias, misturadas umas com as outras.
Aliás, organizar o livro a partir desses “causos” não é mera eventualidade, mas fruto de uma convicção. Quando se trata de sugerir caminhos para enfrentar uma dor emocional, basear-se em histórias parece ser o único método realmente eficiente e profundo (e talvez explique a preferência dos grandes mestres pelas parábolas). É que, além de ilustrar as dicas objetivas, as histórias apresentam um mundo de nuances e aprendizados paralelos. Elas permitem o diálogo íntimo, de cada um de nós, com os personagens ali apresentados, seus conflitos e acertos. Ou seja, funcionam como um espelho, transformando nossas emoções em protagonistas. Por isso, o potencial de ensinamentos de uma boa história é tão infinito quanto são infinitas as possibilidades humanas.
A ordem dos princípios também não é aleatória. O roteiro de ações está traçado para ser o mais simples e natural possível, porque se assemelha ao ciclo típico das separações. Um ciclo que começa de fora para dentro – da relação com a outra pessoa para a relação com a gente mesma, da redescoberta do corpo para as redescobertas íntimas – para, em seguida, fazer o caminho de volta. Nesse percurso, todas as ações propostas pela quarentena têm ao menos um objetivo em comum: trazer você para o seu centro de equilíbrio. Como já sabem as bailarinas e os lutadores, é o afastamento desse centro que faz a gente cair. Então, alguns princípios buscam restabelecer o equilíbrio a partir de estímulos corporais (com atividades físicas, por exemplo) e outros, a partir de atividades prazerosas para a cabeça e o coração (como criar novos hábitos e fazer uma “faxina emocional”). Além disso, há também princípios de proteção, alertando para o risco desastroso de certas condutas numa fase de fragilidade.
Mas aqui vai um aviso: o fato de serem dicas simples não significa que sejam ações fáceis. Vamos falar a verdade, superar uma dor nunca é fácil. E tem uma coisa que livro nenhum fará por você: romper a inércia. Já que abri esta obra citando alguns conceitos da física, eis aqui mais um: o princípio da inércia. Em bom português, e para quem já não tem frescas na cabeça as aulas do colégio, é a física quem diz que é preciso sempre uma nova força para mover o que estava parado. Ou para parar o que estava em movimento. Um corpo sempre tende a manter seu estado de mobilidade (e esta é a razão pela qual, por exemplo, precisamos do cinto de segurança para não sermos arremessados para fora do carro em uma freada brusca).
Então, pronto. Para começo de conversa, vamos dar nome aos bois. Saiba que aquela preguiça de começar, aquela vontade de não se mexer (e que parece ainda maior quando a gente está sofrendo) é, na verdade, uma propriedade física da matéria. A vantagem dessa nova lógica é a seguinte: depois que tomou um novo rumo, é a própria lei da natureza que vai fazer você continuar. É preciso apenas encontrar aquele restinho de força de vontade para impulsionar a primeira mudança.
E é nesse sentido que o livro procura ajudar. Já que o fim de um relacionamento parece sempre drenar quase toda a nossa energia, precisamos usar esse restinho de força de forma inteligente, em ações que realmente nos auxiliem a encontrar um caminho melhor. Caso contrário, a frustração aumenta.
Dando os passos certos, o resto é com o tempo. Agora, para quem ainda não se sente pronto sequer para começar, arrisco deixar uma sugestão adicional bastante singela: volte a pensar nisso depois de um longo banho, relaxante e cheiroso, e de uma boa noite de sono. Aproveite a desculpa do sabonete ou do óleo para fazer carinhos demorados na pele molhada. Sinta a água morna na nuca, alongue o pescoço e as costas, dê um tempo. Ao sair, enxugue-se lentamente, deixe-se abraçar pela toalha. Depois, troque os lençóis para se deitar numa cama de aromas renovados. Se achar que precisa, tome um chá calmante, use um exercício de respiração ou qualquer outra fórmula que conheça para ajudar a dormir. No dia seguinte, procure mais uma vez a tal força para começar.
Se ainda duvida do poder dessas pequenas armas do cotidiano, pense no que banho e sono já fizeram pela ciência! E tomara que, ao acordar, você possa sentir o entusiasmo de Arquimedes para dizer “Eureca!” – e, literalmente, passar para o próximo capítulo.