A partir da experiência internacional dos autores, este livro reúne dez histórias sobre dilemas contemporâneos em um convite a reflexões necessárias
Se antes da pandemia o planeta já cambaleava entre grandes incertezas, notícias falsas, ódio generalizado e uma profunda incomunicabilidade, a disseminação da Covid-19, que não conhece fronteiras, acrescentou um fato novo, embaralhando ainda mais o tabuleiro global. O presente se tornou uma angústia infindável e o futuro, um ponto de interrogação sem resposta aparente. Dessa urgência por respostas – ou, pelo menos, por novas perguntas – surgiu 10 histórias para tentar entender um mundo caótico, livro recém-lançado pela advogada e colunista do jornal português Observador e da revista Glamour Ruth Manus e pelo correspondente internacional do UOL e do Grupo Bandeirantes Jamil Chade.
A distância, ela em Lisboa, onde finaliza seu doutorado, ele em Genebra, onde cobre o dia a dia de organizações intergovernamentais, como a ONU e a OMS, a dupla deu espaço a uma longa conversa estabelecida por correspondência a partir das experiências vividas por cada um. O bate-papo – narrado em dez histórias, propostas ora por um ora por outro – se desdobra como um novelo, dando origem a novas reflexões. São ideias e ponderações que surgem a partir de um ponto do planeta onde os autores já estiveram, transitando entre polos e mundos distantes, olhando por entre muros e divisas, os reais e os imaginários.
É um fato que livros de cartas já renderam grandes obras literárias, mas este aqui vai além, mira no agora e nas escolhas realizadas hoje, que, certamente, moldarão o futuro. Como olhar para ambos os lados dos muros e das fronteiras que nos dividem? O que nos trouxe a tamanha encruzilhada? Como sairemos dela? Ruth e Jamil propõem o caminho do diálogo, o mesmo que estabelecem no livro.
A pandemia mudou a vida no planeta e já é um marco que define esta geração. O que não se sabe ainda, porém, é se a experiência da dor causada pelo vírus intangível poderá trazer algum benefício a médio e longo prazos. “Não pretendemos chegar a soluções definitivas ou receitas mágicas – longe disso. Mas queremos provocar um debate muito além da pandemia. Queremos refletir sobre quem somos e para onde queremos ir. Se o nosso mundo já era complexo, agora ele é complexo e urgente”, avaliam os autores na introdução do livro.
Não há momento mais propício para essa reavaliação. Sem dúvida a Covid-19, tema que aparece na obra quase como uma personagem, marca um ponto de inflexão. Mas, para ampliar o diálogo, é preciso ir além de nossas bolhas. Não há soluções simples, ao contrário do que pregam os populistas de ocasião. Por isso mesmo, 10 histórias para tentar entender um mundo caótico é um livro amplo, tanto do ponto de vista geográfico quanto em sua diversidade temática.
As histórias narradas são acompanhadas por palavras-chaves que estão no centro do debate contemporâneo, como, por exemplo, democracia, bem-estar social, migrações, populismo, religião, identidade, racismo e violência. São sobre esses assuntos que discorrem Ruth e Jamil. E a nós, que acompanhamos as idas e vindas entre os autores, pontuadas por perguntas provocativas e premissas desconcertantes, fica a vontade de entrar na conversa, de tão necessária e inquietante.
Selecionamos algumas reflexões dos autores sobre os assuntos debatidos na obra. Confira:
Felicidade e bem-estar social:
“Colocar a felicidade como pauta de política pública é pôr em discussão distribuição de renda, segurança, saúde, educação, cultura e liberdade. Mas mensurar o desenvolvimento através da felicidade e do bem-estar é algo que realmente me parece um progresso revolucionário na gestão dos Estados.” – Ruth Manus
Mudanças climáticas e o futuro do planeta:
“Hoje o discurso – inclusive da ONU – é muito mais direto: a crise climática é a maior ameaça à sobrevivência de nossa própria espécie. Hoje, quando falamos de clima, estamos dentro do debate de direitos humanos e justiça entre gerações.” – Jamil Chade
Desigualdade e violência:
“Desigualdade e violência andam sempre de mãos dadas. O fato é que o coronavírus evidencia muito mais do que as fragilidades dos nossos corpos. Ele evidencia a fragilidade dos nossos sistemas de saúde, dos nossos governos e, acima de tudo, da forma como a nossa sociedade está estruturada.” – Ruth Manus
Racismo e oportunidades:
“Os negros no país [Brasil] são mais assassinados, têm menor escolaridade, menores salários, maior taxa de desemprego, menos acesso à saúde, morrem mais cedo e têm a menor participação no PIB. Mas são os que mais lotam as prisões e os que menos ocupam postos nos governos ou nos tribunais.” – Jamil Chade
Sobre os autores:
Jamil Chade é jornalista especializado em coberturas internacionais. Com passagens por mais de 70 países, ele cruzou fronteiras com refugiados, entrevistou grandes personalidades, cobriu eleições e cúpulas de chefes de Estado, entre outros feitos. De seu escritório na ONU em Genebra, contribuiu para veículos internacionais como The Guardian, El Pais, BBC, CNN, Le Temps e Al Jazeera, além de ser colunista do UOL e do Grupo Bandeirantes.
Ruth Manus é advogada, professora e escritora. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP e pós-graduada em Direito Coletivo do Trabalho pela Università di Roma Tor Vergata e em Direito Europeu pela Universidade de Lisboa, ela vive desde 2014 em Portugal, onde finaliza seu doutorado. É colunista do jornal Observador e da revista Glamour, e autora dos livros Um dia ainda vamos rir de tudo isso e Mulheres não são chatas, mulheres estão exaustas.