Prólogo
A origem da dieta espiritual
Este livro foi inspirado por acaso no meu amigo Albert Calls, leitor ávido das obras citadas ao longo destas páginas. A ideia me veio quando nos encontramos certa manhã.
Fazia tempo que não nos víamos e notei que ele estava bem mais magro que o habitual. Albert nunca havia sido obeso, mas tinha tendência a exibir uns quilinhos a mais, e eu sabia que ele havia tentado diversos métodos para entrar em forma.
Enquanto ele me explicava as diferentes dietas que tinha seguido para perder peso (cada uma com seus prós e contras), eu tive um insight: o que nos torna pesados não é nosso peso corporal, mas o peso das emoções negativas que carregamos nos ombros. E somente quando o eliminamos é que podemos caminhar com leveza e dar à vida a silhueta que ela merece.
O artista Michelangelo afirmava que a beleza estava dentro do bloco de mármore e que ele só precisava retirar as sobras do material para a escultura surgir. Da mesma forma, a felicidade (ou pelo menos a ausência de infelicidade) é o estado natural do ser humano. Vemos isso nas crianças e em todas as pessoas que exibem o dom da simplicidade. Mas para atingi-la precisamos eliminar as sobras, as atitudes que prejudicam nossa vida. Assim alcançamos a harmonia escondida debaixo das camadas inúteis e prejudiciais. Com essa ideia em mente, criei um método de 24 semanas e o batizei de “Dieta Espiritual”. A proposta é eliminar tudo aquilo que não nos alimenta e funciona como um peso no dia a dia.
O livro está organizado em 24 capítulos sobre hábitos negativos que devemos eliminar. Minha proposta é que você dedique uma semana a cada problema, refletindo e tomando atitudes que ajudem a colocar a dieta em prática. Cada capítulo começa com uma história simples, termina com um exercício fácil e está bem explicado por grandes autores e pesquisadores que estudaram o assunto em questão.
Com essa equipe de nutricionistas espirituais, com certeza você irá se beneficiar do programa. Parando um pouquinho todo dia para se aprofundar no tema da semana e identificar em sua rotina os erros apontados por nossos especialistas, você eliminará do seu metabolismo psicológico e espiritual tudo o que lhe causa infelicidade e impede que você se sinta realizado.
Allan Percy
1. Preocupação
Faz tempo que André está preocupado com a possibilidade de perder o emprego. Sua empresa vem demitindo muitos funcionários e ele desconfia de que será o próximo. Antes de isso acontecer, ele começou a sondar o chefe, tentando obter informações sobre sua situação. Esse comportamento o deixa tão ansioso que ele mal consegue dormir à noite. Chega ao escritório cansado e de mau humor, e por causa disso sua relação com os colegas também não tem sido a ideal.
Ele parou de se dedicar às suas tarefas com eficiência e só fica imaginando o que vai acontecer se perder o emprego.
Por fim, de tanto alimentar a preocupação e deixar de lado o trabalho em si, vê seu medo se confirmar: é demitido.
Contra a preocupação, concentração
A preocupação é um jeito excelente de não nos ocuparmos das coisas, pois, enquanto ficamos rodeando aquilo que poderíamos fazer, que os outros não fizeram ou que ainda é mera suposição, tudo o mais na nossa vida permanece paralisado. Isso nos impede de tomar decisões e seguir em frente.
Sobre o tema, o psicólogo Thomas Borkovec garante que, “embora às vezes a preocupação seja um sentimento positivo, na maioria das vezes caímos em um pensamento crônico que se concentra na preocupação em si. Em geral, as pessoas se preocupam com coisas que têm pouca chance de acontecer”.
Borkovec dedicou boa parte da carreira ao estudo dos estragos provocados pelo excesso de preocupação e ansiedade. Em suas pesquisas, identificou três atitudes que são grandes fontes de preocupação:
- Ter pensamentos recorrentes
- Evitar resultados negativos
- Inibir nossas emoções
Como Borkovec explica em entrevista concedida à Revista Argentina de Clínica Psicológica, enquanto pesquisavam possíveis tratamentos para a insônia, ele e sua equipe começaram a estudar a preocupação. Ao testar o relaxamento como forma de tratamento contra a insônia, os pesquisadores descobriram sua eficácia, não apenas porque relaxa nossa parte somática, que produz a ansiedade, mas também porque reduz o aparecimento de ideias não desejadas que desencadeiam a preocupação excessiva.
Com isso, a equipe compreendeu que o que mantinha as pessoas acordadas não era o estado de agitação, mas o circuito de pensamentos. Logo, se os pacientes conseguissem desviar a atenção ao relaxarem, conseguiriam interromper a preocupação.
A experiência do urso-polar
Em 1987, Daniel Wegner, falecido psicólogo da Universidade Harvard, realizou com sua equipe um estudo sobre a capacidade da mente de suprimir pensamentos indesejados.
No experimento, pediu-se aos voluntários que não pensassem em um urso-polar. Cada participante ficava sozinho numa sala com um microfone e uma campainha e devia falar sobre qualquer assunto. De tanto em tanto tempo, alguém interrompia o monólogo para pedir que o voluntário não pensasse em um urso-polar.
Antes de entrar na sala, os participantes haviam sido instruídos a tocar a campainha sempre que pensassem em um urso-polar. Em média, cada voluntário a tocou seis vezes nos cinco primeiros minutos após a ordem.
Wegner concluiu que “o principal problema da ordem de ‘não pensar’ é que, quando tentamos evitar algo conscientemente, a ideia continua na mente e assim continuamos ruminando as mesmas preocupações”.
Wayne Dyer, autor de Seus pontos fracos, analisa do seguinte modo esse problema tão comum: “Na nossa cultura, a preocupação é endêmica. Quase todo mundo perde uma quantidade incrível de momentos enquanto se preocupa com o futuro. E tudo isso não serve para nada. Nem um só momento de preocupação vai melhorar a situação. E pior: é bem possível que essa preocupação atrapalhe seu desempenho no momento presente.”
No entanto, não devemos usar a dieta para eliminar a preocupação só no trabalho ou no âmbito da saúde – fonte de contínua ansiedade que pode nos tornar hipocondríacos crônicos. Ela também é muito comum no campo sentimental e pode gerar ideias equivocadas, como estas mencionadas por Wayne Dyer: “Dizem que, se você ama uma pessoa, deve se preocupar com ela. Você ouve frases como ‘Claro que estou preocupado com ela. Isso é normal quando se ama alguém’ ou ‘Não posso deixar de me preocupar, porque amo você’. Assim, ao morrer de preocupação, você dá provas do seu amor.”
No entanto, demonstrar amor não tem nada a ver com esse sentimento de pânico causado pela preocupação.
Como evitar a preocupação
Quando instalamos no nosso circuito mental uma sequência de ideias recorrentes e estereotipadas, não resolvemos os problemas. Pelo contrário: ficamos cada vez mais atrelados a eles. Além de provar a importância de desviar a atenção das ideias intrusivas que desencadeiam a preocupação, o estudo de Borkovec lhe permitiu elaborar um método de controle da ansiedade:
- Primeiro passo: tomar consciência de si e daquilo que causa preocupação.
- Segundo passo: adotar uma postura crítica diante das crenças que sustentam a preocupação. Antes de tudo, vale a pena se perguntar:
Tenho certeza de que o episódio do qual sinto medo de fato vai acontecer?
Se não tenho certeza, de que adianta ficar voltando ao assunto?
Essa combinação de atenção com ceticismo é muito útil para frear a ativação neurológica provocada pela ansiedade.
Richard Carlson e seus conselhos para não fazer tempestade em copo d’água
Um dos profissionais da área de saúde psicológica que mais escreveram livros sobre formas de evitar a preocupação, Richard Carlson, autor do best-seller Não faça tempestade em copo d’água, afirma: “Os pensamentos passam a provocar um efeito nocivo quando esquecemos que eles são uma função da nossa consciência.” Já no artigo intitulado “Happiness as a Priority” (A felicidade como prioridade), ele resume o segredo de uma vida feliz: “É compreender que os pensamentos são apenas pensamentos. As coisas verdadeiras acontecem a todo momento, mas quando já aconteceram ou ainda vão acontecer são apenas isto: pensamentos.”
Em You Can Be Happy No Matter What (Você pode ser feliz, não importa o que aconteça), Carlson oferece uma reflexão reveladora sobre o estresse e as preocupações. “O estresse não é algo que acontece conosco, mas, sim, algo que desenvolvemos dentro de nós, a partir do nosso modo de pensar. Nós é que decidimos, de dentro para fora, o que é e o que não é estressante.”
Portanto, quando pensamos no estresse como um fator externo, estamos validando sua vivência e nos empenhando em procurar maneiras de combatê-lo. No entanto, não percebemos que a situação é estressante porque nós a vemos dessa forma.
De volta a Não faça tempestade em copo d’água, Richard Carlson oferece alguns conselhos para evitar que os pequenos contratempos nos atrapalhem:
- Não sofra por coisas sem importância.
- Viva o presente.
- Aceite sua imperfeição.
- Faça uma coisa de cada vez.
- Atente para o efeito “bola de neve” de seus pensamentos.
- Pergunte-se: “Será que isso vai ter importância daqui a um ano?”
- Repita para si mesmo: “A vida não é uma correria.”
- Tome consciência do seu estado de ânimo e não se deixe levar pelos maus momentos.
- Relaxe a mente.
- Aprenda a conviver com a incerteza sobre o amanhã.
- Mude sua atitude em relação aos problemas.
- Tome consciência do poder de seus pensamentos.
- A todo momento, pergunte-se: “O que importa de verdade?”
Conselhos de Dale Carnegie
Entre os autores que abordaram o tema, encontramos o famoso empresário e conferencista americano Dale Carnegie, que escreveu Como fazer amigos e influenciar pessoas e Como falar em público e encantar pessoas, livros que se tornaram best-sellers graças ao discurso do autor sobre o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Um dos pilares de seu programa é a ideia de que devemos assumir a responsabilidade pelo que acontece na nossa vida.
No livro Como evitar preocupações e começar a viver, Carnegie dá algumas dicas de como podemos deixar as preocupações de lado e viver uma vida mais saudável e plena. Em uma síntese da primeira parte do livro, ele cita três regras essenciais que ajudam a controlar a preocupação:
- Regra 1: Viva somente o dia de hoje. Não viva o ontem nem o amanhã.
- Regra 2: Enfrente os problemas.
a. Pergunte-se: o que pode acontecer de pior?
b. Prepare-se para aceitar o pior.
c. Partindo do pior, tente melhorar a situação.
- Regra 3: Lembre-se do preço exorbitante que você pode pagar, com sua vida e sua saúde, por essas preocupações.
E, para fechar o tópico, uma brilhante reflexão do grande Duke Ellington: “Existem dois tipos de preocupação: aquelas sobre as que você pode fazer algo a respeito e aquelas sobre as quais não pode. Não perca tempo com o segundo caso.”
A profecia autorrealizável
O capítulo dedicado à primeira semana do programa é bem mais extenso do que os outros em função dos males que surgem junto com a preocupação. Um deles é o hábito de prever que algo negativo vai acontecer, aumentando, assim, a chance de que aconteça.
Atribui-se ao sociólogo Robert K. Menton, professor da Universidade de Columbia falecido em 2003, a criação do termo “profecia autorrealizável”, ou “autorrealizada” (self-fulfilling prophecy). Dizem que a profecia autorrealizável de Merton se baseia no teorema formulado por William I. Thomas no livro The Child in America: Behavior Problems and Programs (A criança nos Estados Unidos: problemas e programas comportamentais), que expõe a seguinte ideia: “Se as pessoas definirem as situações como reais, suas consequências serão reais.”
Um exemplo especial da profecia autorrealizável em ação é o que se conhece como Efeito Pigmaleão (ou Efeito Rosenthal). Essa teoria, comprovada por diversos experimentos nas áreas profissional e escolar, permite entender como nossa maneira de ver e tratar as pessoas influencia o comportamento final delas. Segundo Álex Rovira, o Efeito Pigmaleão “é o processo pelo qual as crenças e expectativas de uma pessoa em relação a outra afetam sua conduta de tal maneira que essa outra pessoa tende a confirmá-las”.
O Efeito Pigmaleão
Esse conceito surgiu na década de 1960 graças a Robert Rosenthal – psicólogo da Universidade Harvard – e Lenore Jacobson por causa de um estudo que ficou conhecido como “o Efeito Pigmaleão na sala de aula”. O experimento foi desenvolvido em uma escola onde se realizou uma avaliação para medir o quociente intelectual (QI) dos alunos.
Após a avaliação, os pesquisadores selecionaram ao acaso 20% dos estudantes, sem levar em conta os resultados reais do teste, e informaram incorretamente aos professores que esses 20% eram os melhores alunos e, portanto, devia se esperar deles um rendimento escolar mais alto.
Ao fim do ano letivo, ficou comprovado que os alunos selecionados haviam mostrado uma evolução no rendimento escolar em comparação com os outros alunos.
O resultado permitiu a Rosenthal e Jacobson concluir que as expectativas que os professores haviam criado em relação aos alunos “mais capazes” tinham causado um aumento do interesse desses alunos, o que os levou a se esforçarem mais para melhorar seu rendimento. Assim, comprovaram a relevância das expectativas (sejam elas próprias e alheias) no comportamento.
O Efeito Pigmaleão, portanto, funciona com base em três aspectos fundamentais:
- A crença em um fato como verdade inquestionável.
- A expectativa de que aquilo que se espera será alcançado.
- A existência de mensagens que estimulem o cumprimento do esperado.
As pesquisas elaboradas por Rosenthal e Jacobson foram compiladas no livro Pygmalion in the Classroom: Teacher Expectation and Pupils’ Intellectual Development (Pigmaleão na sala de aula: a expectativa do professor e o desenvolvimento intelectual dos alunos) e evidenciaram o poder das mensagens transmitidas aos estudantes.
Assim, quando um professor transmite mensagens negativas, o aluno tende a responder a essas expectativas.
O poder das expectativas
Na obra Terapia cognitiva: fundamentos teóricos y conceptualización del caso clínico (Terapia cognitiva: fundamentos teóricos e conceitualização do caso clínico), o psicólogo Walter Riso define a profecia autorrealizável como “a tendência a agir de forma que as expectativas (profecias) sobre nós se cumpram (normalmente, expectativas de outras pessoas). Em geral, recorremos às profecias autorrealizáveis de modo inconsciente”.
No livro, Riso apresenta pesquisas que comprovam os efeitos significativos da autoprofecia no comportamento humano e declara: “Ao que tudo indica, quando as pessoas fazem profecias positivas ou negativas sobre o próprio comportamento, têm mais probabilidade de se comportar de maneiras condizentes com suas previsões. O poder das expectativas é, sem dúvida, muito forte.”
Como combater ou transformar a profecia autorrealizável em algo positivo
No livro The Resilience Advantage: Master Change, Thrive under Pressure, and Bounce Back from Setbacks (A vantagem da resiliência: domine a mudança, vença sob pressão e recupere-se das adversidades), Al Siebert explica como podemos usar a profecia autorrealizável de modo positivo. Segundo ele:
Tanto o otimismo quanto o pessimismo tendem a ser profecias autorrealizáveis. Se você espera um resultado satisfatório, seu cérebro destaca os pequenos acontecimentos e as oportunidades que podem ajudar você a alcançar o resultado. Se espera um resultado adverso, seu cérebro fará você pensar, sentir e agir para alcançar o resultado esperado. […]
As pessoas que se consideram sortudas enxergam situações felizes e resolvem agir, enquanto as que se acham azaradas se veem e se sentem derrotadas pelos acontecimentos infelizes.
No passado, os seres humanos não compreendiam que suas crenças, fossem elas otimistas ou pessimistas, criavam uma profecia “autorrealizável”. Agora sabemos que os seres humanos tendem a interagir com o mundo de uma forma que faz suas crenças, seus preconceitos e suas previsões se confirmarem. As pessoas com atitudes positivas agem para alcançar os bons resultados esperados. Dão explicações positivas para os contratempos e para continuar se esforçando. Por outro lado, pessoas com atitudes negativas aceitam as derrotas como prova daquilo que já esperavam e como desculpa para não lutar por um desfecho positivo.
Um motivo a mais para deixarmos de nos preocupar com o que pode acontecer de ruim e nos concentrarmos no que vai dar certo.
Ferramentas para afirmar a infelicidade
No livro Sempre pode piorar, ou a arte de ser (in)feliz, Paul Watzlawick explica como as profecias autorrealizáveis podem ser uma forma de nos fazermos infelizes:
No jornal de hoje, seu horóscopo adverte você (e também cerca de outros 600 milhões de pessoas que nasceram sob o mesmo signo do zodíaco) sobre a possibilidade de sofrer um acidente. E algo de fato acontece com você. Portanto, provavelmente a astrologia funciona.
Mas será que é isso mesmo? Você não acha que teria sofrido o acidente mesmo que não tivesse lido o horóscopo ou se tivesse certeza absoluta de que a astrologia é uma tremenda fraude? É claro que uma situação como essa não pode ser explicada depois de o fato já ter acontecido. […]
Por exemplo, quanto mais lombadas eletrônicas forem colocadas nas ruas, mais haverá infratores do Código de Trânsito, o que obriga a instalação de mais pardais. Quanto mais um país se sente ameaçado pela nação vizinha, mais aumentará seu potencial bélico, o que, por sua vez, fará o outro país querer reforçar o armamento
quanto antes. Com isso, a eclosão da guerra (que já é esperada) é só questão de tempo. […] Se um número suficiente de pessoas acredita em um prognóstico que diz que determinada mercadoria vai ficar mais escassa ou cara (sendo verdade ou não), os consumidores passarão a comprar mais do produto para guardá-lo, o que fará a mercadoria de fato escassear ou ficar mais cara.
A profecia de um acontecimento leva ao acontecimento da profecia.