Apresentação
Desde que a primeira edição deste livro foi publicada, em 1992, o cenário da violência verbal mudou. Ao longo desse tempo, venho fazendo o possível – com a ajuda de muitas pessoas – para divulgar que existe, sim, algo chamado relacionamento com violência verbal. Oprah Winfrey dedicou um programa inteiro a este tema e muitas outras apresentadoras de TV e rádio também contribuíram com esta iniciativa, me proporcionando tempo e espaço para falar sobre o assunto.
Organizações de todos os tipos me convidaram para fazer palestras. E elas foram realizadas não apenas nos Estados Unidos, mas também no Canadá, na Austrália e na Espanha, onde falei na recém-criada Comissão para a Investigação da Violência Contra a Mulher do governo espanhol. Além disso, este livro foi publicado em diversas línguas, inclusive francês, alemão, espanhol, russo, polonês, sérvio e chinês.
Os leitores falam
Meus leitores fizeram um trabalho extraordinário na divulgação e na discussão sobre esse assunto. Desde que o livro apresentou ao mundo o termo “relacionamento com violência verbal”, milhares de mulheres entraram em contato comigo por telefone, e-mail ou carta, fazendo perguntas ou tentando marcar uma consulta particular para orientação e maiores informações. Mas também contaram sobre a violência verbal que sofreram em seus relacionamentos. Muitas me disseram algo como: “Eu sabia que algo estava errado; só não sabia o quê. Agora eu tenho um nome para o que sofri.” A cultura está mudando. Hoje, os relacionamentos com violência verbal são uma realidade.
As mulheres não são as únicas a sofrer a
violência verbal
Os homens também sofrem. Quando um homem entra em contato comigo porque acha que está enlouquecendo com as agressões verbais de sua parceira, digo-lhe que, se ao longo dos anos ele tem sido alvo desses abusos por parte da mulher, acho difícil que ela consiga mudar. As mulheres que costumam criticar, acusar ou ter ataques de fúria contra seu parceiro em geral resistem a mudar sua atitude. No entanto, ele também pode seguir os passos que eu descrevo para fazê-la enxergar que seu comportamento é nocivo.
Nos últimos dez anos, fui procurada por vários homens que foram alvo de abusos verbais em seus relacionamentos. Mas suas parceiras não buscaram ajuda. As mulheres que praticam agressões, acusam e criticam seus companheiros de forma constante podem se tornar violentas. Seu comportamento não é uma reação repentina à crise ou ao término da relação. Ao contrário, elas agem de maneira abusiva ao longo dos anos.
As mulheres agressoras não costumam se dar conta do mal que causam e não conheço casos em que elas tenham saído em busca de ajuda. Algumas chegam a pedir o divórcio, como se fossem as vítimas. E parecem acreditar em suas acusações. Em outras palavras, essas acusações são explicações automáticas (confabulações) que suas mentes criam para explicar por que elas se sentem agredidas pela individualidade de seus maridos, ou até pela felicidade deles. Da mesma forma, os homens que agem de maneira abusiva com suas esposas também criam confabulações sobre as razões pelas quais se sentem agredidos pela individualidade delas.
Os maridos de mulheres que agem de maneira verbalmente abusiva parecem, a partir dessa pequena amostra, vivenciar os relacionamentos com violência verbal da mesma forma que as mulheres. Eles tentam agradar a suas parceiras e dar tudo o que podem; tentam se explicar e se defender como se elas estivessem se comportando de maneira racional.
Uma diferença que pude observar é que os homens demoram mais do que as mulheres para revelar em detalhes o que ouvem e sentem. Essa tendência pode ser atribuída ao fato de que eles não costumam ser vítimas delas, e sim o contrário. Vários países perseguiram as mulheres ou, em outras circunstâncias, estimularam a desigualdade e a opressão. Em alguns deles, as mulheres ainda são inferiorizadas profissionalmente e não recebem salários iguais aos dos homens para realizar as mesmas tarefas. Embora os homens possam ser hostilizados nos relacionamentos, não costumam ser na sociedade – exceto quando discriminados por questões de raça ou orientação sexual. Outra razão importante para os homens demorarem mais a revelar os detalhes desse abuso pode ser o fato de terem sido ensinados a agir de maneira “protetora” com a parceira ou a “aceitar” os defeitos dela.
Acredito que as mulheres que praticam a violência verbal não procuram ajuda porque são emocionalmente mais frágeis do que a média dos homens abusivos. De certa forma, elas perderam tudo o que é relacionado ao feminino – a afetividade, a receptividade, o acolhimento e a inteligência emocional – e também as características do “lado masculino”, como a confiança, a autoestima e a capacidade de agir.
Em contrapartida, geralmente o homem que pratica o abuso perde as características relacionadas ao feminino, mas mesmo assim ainda mantém a capacidade de ação e a determinação estimuladas pela cultura masculina. Ou seja, ele pode estar agindo de acordo com um padrão cultural que dá menos importância ao feminino e, dessa forma, suprimindo as características humanas universais erroneamente relacionadas somente às mulheres.
A terapia de casal pode ajudar?
Milhares de mulheres vítimas de violência verbal procuram auxílio na comunidade de saúde mental, mas é raro encontrarem apoio na terapia para casais. Os terapeutas muitas vezes não reconhecem o abuso verbal como fonte dos problemas. Quando ouvem um homem dizer algo como “Ela é muito exagerada”, eles logo separam o casal para dar início a terapias individuais.
Infelizmente, muitos terapeutas foram treinados para identificar qualquer conflito no relacionamento como sendo responsabilidade das duas partes envolvidas. Várias mulheres tentaram a terapia para casais e revelaram que, por causa disso, pensaram que estavam malucas. Algumas disseram que o terapeuta até mesmo testemunhou uma agressão verbal e não fez nada para impedir.
Mary me escreveu e listou os nomes de todas as pessoas com quem se consultara, de pastores e terapeutas especializados em família a assistentes sociais. Na carta, ela dizia: “Ninguém identificou o problema e nós gastamos cerca de 30 mil dólares nos últimos 25 anos.”
Já Sarah me contou que ela e o marido gastaram 100 mil dólares em terapias ao longo dos anos, na esperança de descobrir o que estava errado e, assim, melhorar o relacionamento a dois.
O aumento da violência no namoro
Desde que este livro foi lançado, há mais de vinte anos, a incidência de violência verbal só cresceu. Há pouco tempo, fiz uma apresentação sobre violência no namoro de adolescentes na conferência anual da Fundação Nacional para Mulheres Legisladoras. Parentes de garotas assassinadas deram seu depoimento, apelando para que os legisladores aprovassem políticas que estimulassem as escolas a ensinar às crianças sobre o abuso e a reconhecer comportamentos controladores.
Já que a agressão verbal precede a violência doméstica nos relacionamentos, acho que ninguém devia chegar aos 16 anos sem ler este livro. Uma em cada três adolescentes americanas é vítima de abuso. Meninas que têm entre 16 e 19 anos são o grupo com o segundo maior índice de violência não fatal por parte do parceiro. Somente garotas que têm entre 20 e 24 anos, que estão na faixa de maior risco, ultrapassam esse primeiro grupo. Uma em cada cinco meninas entre 11 e 14 anos tem alguma amiga que foi vítima de violência por parte do namorado, e, entre aquelas que estão namorando, metade sofre abuso verbal.
As boas notícias
Algum progresso foi feito desde 1992:
Alguns estados americanos implantaram políticas para ensinar às crianças sobre relacionamentos abusivos.
Relacionamentos com violência verbal agora são reconhecidos e apresentados como tal em diversos meios de comunicação.
A postura masculina em relação ao conceito de violência verbal está mudando.
Nos últimos anos, venho sendo informada sobre o crescente número de homens que, ao sentir que seus relacionamentos estão por um triz, desejam saber como mudar sua postura a fim de evitar perdê-los. Eles perceberam que haviam tratado suas parceiras de muitas das maneiras que este livro descreve.
Também soube de homens que querem mudar mesmo sem a expectativa de reconquistar suas parceiras – até porque elas seguiram em frente e estão em novos relacionamentos. Eles perceberam que precisam de ajuda para se tornar quem desejam ser – homens que não praticam abusos.
Um deles, Mack, chegou a criar um grupo de apoio, o fórum Men Ending Verbal Abuse and Control (Homens contra a Agressão Verbal e o Controle), um boletim on-line para homens que buscam auxílio mútuo para mudar seu comportamento.
“Descobrir que você pratica a agressão verbal e o controle é como ser nocauteado”, diz Mack. “Toda a sua realidade é abalada até a essência. Descobrir que seus relacionamentos estão destruídos, que inspira medo àqueles que estão ao seu redor, que alguma coisa está terrivelmente errada com você e que a maneira como se comunica com o mundo está equivocada é muito assustador. Mas é possível virar o jogo. Quando você aceita a situação e se volta para o caminho certo a fim de mudar a si mesmo, começa a descobrir que os relacionamentos de verdade, baseados na confiança, no respeito e no amor, são muito mais gratificantes.”
Esses homens querem se manter conscientes. Querem modificar seu comportamento irracional, que se manifesta, por exemplo, ao tentarem definir o mundo interior de suas parceiras no lugar delas. Ou seja, descrevendo os motivos, as necessidades, os sentimentos e até mesmo a natureza das parceiras em suas próprias palavras. Alguns exemplos:
“Você está tentando começar uma briga.” (motivo)
“Você só se importa em estar com a razão.” (desejo)
“Não é verdade que você se sente assim.” (sentimento)
“Você é sensível demais.” (natureza)
Homens que praticam o abuso fazem essas afirmações como se fossem deuses, como se vivessem dentro do corpo/mente/alma de suas parceiras e realmente soubessem que essas coisas são verdades!
Entretanto, muitos vêm percebendo que esses comentários representam um comportamento irracional e estão se esforçando para mudá-lo, tanto neles mesmos quanto em outros homens. Um deles planeja criar um programa para “agressores verbais anônimos”, baseado no modelo dos 12 passos. Isso pode demorar, mas sem dúvida vai acontecer.
Avançamos muito, porém…
Tecnicamente, nós avançamos muito. Eu criei um novo site (www.verbalabuse.com), no qual disponibilizei entrevistas, um quadro de avisos e um informativo gratuito que já tem mais de sete mil assinantes.
Mulheres e homens estão se posicionando contra a violência verbal. Mas, apesar de termos caminhado bastante, ainda há um longo trajeto a percorrer. Minha esperança é que essa nova edição de Como enfrentar a violência verbal desempenhe um papel fundamental no avanço do apoio às vítimas, na educação dos agressores e no aumento da consciência em todos os níveis da sociedade.
Nota: Como ouvi majoritariamente as mulheres, vou usar o pronome feminino quando descrever o alvo da violência verbal. Isso não significa que as mulheres não cometam abusos contra os homens; mas sobre esses casos eu tenho poucas informações. Se você é homem e tentou inúmeras vezes fazer o relacionamento dar certo e se fazer entender, e identificou sua parceira nas descrições que relatei, por favor, troque os “delas” por “deles” e os “elas” por “eles”.