Prefácio
Rosely Sayão, psicóloga
Ah, as crianças! Passamos os dois primeiros anos da vida delas oferecendo todos os incentivos e estímulos para que falem, andem, não tenham receio de se arriscar em novas experiências – como subir escadas e brincar na areia, por exemplo –, etc. Depois… bem, depois a história muda.
Pedimos, e até chegamos a implorar, que fiquem quietas, que parem de correr, que respeitem a palavra “não”… Enfim, queremos que se comportem!
Mas as crianças parecem ser impertinentes e muito mais resistentes do que nós, adultos. Elas fazem manha, birra, estardalhaços por qualquer motivo, brincam com a comida, fazem o que não deveriam fazer, não fazem o que deveriam fazer, desobedecem. E desobedecem, muitas vezes, olhando diretamente nos olhos da mãe ou do pai, que consideram esse olhar um desafio.
E como reagimos diante de tanta energia desperdiçada? Em geral, elevamos o tom de voz, nos irritamos, perdemos a paciência, apelamos para os castigos, tentamos convencer a criança a não agir assim.
E tudo isso adianta? Em geral, não. Ou melhor: às vezes até funciona, mas por um curto período de tempo. E aí não resistimos à tentação de dizer “Já tentei de TUDO!” – título deste livro de Isabelle Filliozat –, sua variante “Não tem jeito” ou até as duas coisas juntas: “Já tentei de tudo, não tem jeito.”
Entretanto, a autora nos mostra algo importante: essas estratégias têm mais relação com os adultos e sua maneira de pensar do que com a criança e seu modo de ser e de viver.
Devemos olhar para o comportamento de nossos filhos com um pouco mais de empatia, tentando entender o ponto de vista deles. Quando a criança faz birra porque a mãe não dá o que ela pede, podemos achar que essa é sua maneira de atingir a mãe. Mas podemos compreender de outra forma: a criança usa as estratégias acessíveis a ela nessa fase da vida para lutar pelo que quer.
E tem mais: a crise de birra libera as tensões do corpo da criança. Pensar assim ajuda a promover mudanças significativas em nossas reações quando a pirraça acontece, não é?
As ilustrações de Anouk Dubois são um capítulo à parte neste livro. Elas oferecem ao leitor uma compreensão leve e rápida de situações tensas que vivemos com nossos filhos e que muitas vezes provocam culpa, piorando ainda mais nosso convívio. Como se fossem pequenas histórias em quadrinhos, as ilustrações facilitam a identificação e apontam novas possibilidades.
Na maioria das vezes, os comportamentos impertinentes e repetitivos das crianças de até 5 anos, mais ou menos, são fruto de nossa dificuldade de entender melhor o que se passa com elas e, por essa razão, de reagir de modo adequado.
Que a leitura deste livro colabore para que as atitudes educativas com os filhos na primeira infância sejam tomadas sem estresse. Isso é bom para os pais e, mais ainda, para os filhos.
Boa e proveitosa leitura!
Apresentação
Isabelle Filliozat
Tenho dois filhos. Como mãe, vivi momentos de grande felicidade quando me sentia em sintonia comigo mesma e com eles; mas também vivi momentos de enorme angústia. Sentia-me impotente, cheia de dúvidas, desafiada. Teria sido bom encontrar um livro que me desse informações sobre o que os meus filhos poderiam estar vivendo em determinadas situações e dicas para definir a minha própria atitude. Sempre me recusei a aceitar aquele velho conselho: “É pirraça, ele quer manipular você. É preciso mostrar quem manda…”
De um lado, o pouco que sabia sobre o cérebro de uma criança me levava a duvidar da sua capacidade de possuir tais estratégias, de outro, me parecia estranho que as crianças de certa faixa etária tivessem comportamentos tão parecidos. Isso deveria significar alguma coisa. Será que esses comportamentos que tanto incomodam os pais – a maioria das crianças de 2 anos tem crises de raiva; a criança de 1 ano e meio recebe a ordem de não fazer alguma coisa e vai fazer mesmo assim, e olhando nos olhos de quem ditou a ordem; um menino de 12 anos já não quer tomar banho; e as meninas de 15 empilham louça (suja) dentro do próprio quarto – poderiam ser interpretados como uma luta por poder? Quando um comportamento parece ser tão comum, posso continuar interpretando-o como uma manipulação dirigida contra mim? A minha hipótese é que o comportamento das crianças, até mesmo o mais extremo, está a serviço de suas próprias necessidades de crescimento. Entender melhor as motivações delas pareceu-me fundamental, pois são as nossas interpretações que guiam nossos comportamentos.
Além disso, os modelos tradicionais de educação tinham fracassado, e eu constatava isso diariamente no meu consultório de psicoterapia e também, como você, no meu cotidiano. A autoconfiança, a segurança interior e a harmonia relacional não são muito frequentes na população adulta. Ora, era isso que eu buscava para os meus filhos, queria ajudá-los a se tornarem adultos responsáveis e independentes, desenvoltos socialmente, e não adultos com pânico de falar em público ou que só respeitam as regras de trânsito por medo do policial.
Queria poder, diante das diversas situações que com certeza se apresentariam a mim, adotar uma atitude que fosse de fato educativa. Iria, portanto, refletir e não agir por impulso.
É o produto dessas reflexões que apresento neste livro. Não são receitas; não existe nenhuma receita de educação que nos leve a “acertar” com uma criança sempre! Muitas vezes, durante uma conferência ou um programa de rádio, os pais me pedem para dar “A” solução àquilo que eles definem como problema. Essa solução não vem pronta para uso. Existem sempre várias formas de analisar um problema e, portanto, várias soluções. Temos que desconfiar daqueles que gostam de dar lições e que acreditam que há uma única resposta para um conflito de relacionamento.
Uma mãe pergunta: Como reagir aos ataques de raiva de uma criança de 3 anos? Esse comportamento é visto como um problema ao qual se deve reagir, como se as crises de raiva da criança fossem sempre iguais e não tivessem causas específicas. Vamos ver, na página 37, que a própria mãe, por ignorar o que estava acontecendo com o seu filho, tinha gerado na criança aquela crise de raiva diante da qual ela me perguntava agora como reagir. Vocês vão descobrir com espanto como nós mesmos podemos estar na origem de comportamentos que reprovamos.
A partir do momento em que passei a entender o que estava acontecendo entre mim e os meus filhos, tudo ficou claro. Eu era responsável por muitos de seus comportamentos de oposição. Eles reagiam como todos os seres humanos a uma imposição, a uma ordem; eles sentiam as mesmas emoções que os adultos, que eu própria… Ao modificar o meu comportamento em relação a eles, eu podia obter aquilo que, caso contrário, teria escorregado da minha mão como um sabão molhado. O que vou oferecer a vocês neste livro é uma espécie de revelação que tive.
“Já tentei de tudo!” Quantas vezes ouvi essa frase… Ela significa: utilizei todas as armas que possuo para tentar reprimir um problema.
Assim, me pareceu útil escrever um livro que ajudasse a identificar a fonte das dificuldades e que também apresentasse opções nas quais muitas vezes não pensamos no calor do momento.