PREFÁCIO
“Toda tempestade tem um vão no qual uma gaivota pode voar em silêncio.”
– Harold Witter Bynner
Como médica, aprendi que a morte é o oposto da vida, um evento físico marcado por mudanças fisiológicas específicas. Fui treinada para “gerenciar os que estavam morrendo”, para prolongar a vida sempre que fosse possível e controlar a dor e o sofrimento quando não fosse. A dor dos que ficavam era mais difícil de administrar, mas, com o tempo, a maioria se consolava com a ideia de vida após a morte e encontrava uma forma de seguir em frente.
Apesar da longa experiência com gente que falecia ou enfrentava sua jornada final, eu e meus colegas de trabalho tínhamos pouca ou nenhuma reação emocional diante da morte e, com certeza, nenhuma curiosidade a respeito dela. Essa curiosidade seria considerada mórbida. A ideia de que a morte poderia oferecer algo de importante aos vivos seria vista como bizarra. Numa forma menos extrema, nossa postura profissional era o reflexo de uma atitude cultural como um todo diante da morte e dos que morriam.
Foi nesse ambiente que Frank Ostaseski começou seu trabalho corajoso e pioneiro e ofereceu pela primeira vez sua genialidade ao enxergar cada morte como única e significativa, como uma oportunidade de sabedoria e cura – não só para os que morrem, mas também para os que continuam vivos. A experiência profunda que ele traz para este livro só pode ser acumulada pelas criaturas destemidas que encontraram o caminho da serenidade e da presença, que possuem a capacidade de se conectar com o coração e a alma dos outros e que são abençoados com o dom de compartilhar experiências. Os cinco convites está repleto de histórias tão profundas que funcionam como uma bússola, como um modo de viajar por uma estrada desconhecida até o destino desejado. Muitas dessas histórias podem ser lidas como verdadeiras parábolas, relatos de sabedoria que nos permitem viver com mais propósito e sabedoria.
Meu primeiro encontro com a morte aconteceu quando nasci. Pesava 950 gramas e passei meus primeiros seis meses de vida entre dois mundos, numa incubadora, intocada pelas mãos humanas. Encarei-a novamente aos 15 anos, quando minha doença crônica se manifestou no meio da noite. Fui levada inconsciente para um hospital de Nova York, onde passei quase um ano em coma. Muitas das pessoas do meu convívio eu conheci no limiar entre a vida e a morte, atraídas, como eu, pelo profundo desejo de descobrir o que é mais real. Frank Ostaseski é uma dessas pessoas – meu colega, meu companheiro de viagens, meu professor. Os cinco convites é um lindo livro sobre a vida no limite – sobre a vida como um todo, na verdade – e, nele, Frank nos convida a acompanhá-lo nesse espaço entre os mundos. A nos sentarmos à mesa do desconhecido. A imaginarmos juntos. A nos tornarmos mais sábios.
Meu avô era cabalista e místico por natureza. Para ele, a vida era um diálogo constante com a alma do Universo. Todos os eventos eram portais e o mundo se revelava constantemente. Ele era capaz de ver a mais profunda das materializações na mais ordinária das ocorrências. A maioria de nós não tem esse dom. Precisamos de algo maior, de algo que nos detenha em nosso hábito de ver e ouvir, de algo que desafie nosso modo de pensar e nossa percepção para que reconheçamos a verdadeira natureza das coisas. A morte é um desses portais. A consciência é o grande dom da morte. Para muita gente, a vida autêntica começa na hora da morte – não a nossa própria morte, mas a morte de outra pessoa.
Falando de forma simples, a natureza da própria vida é sagrada. Estamos sempre em solo sagrado. Mas raramente a experiência do sagrado faz parte do nosso cotidiano. Para a maioria das pessoas, ela aparece como um relâmpago, no espaço profundo entre uma respiração e a seguinte. É como se o que há de mais real na vida fosse coberto por um tecido no dia a dia e essa capa fosse percebida como a própria realidade – até algo abrir um buraco nela e revelar a verdadeira natureza do mundo. Ainda assim, o convite para que fiquemos atentos é constante. No brilhante livro O negócio é ser pequeno, E. F. Schumacher sugere que só podemos ver o que nossos olhos foram desenvolvidos para ver. Ele propõe que o eterno debate sobre a natureza do mundo não trata de suas diferenças, mas das diferentes capacidades que nossos olhos possuem.
O livro que você tem nas mãos apresenta práticas simples e poderosas que lhe permitem enxergar o que é mais real em meio ao que lhe é familiar. É uma oportunidade de ver além do comum. Diferentemente de muitos livros sobre a morte e o morrer disponíveis hoje em dia, este não trata de teorias nem ciências, sejam elas tradicionais ou pessoais. Não são ideias e crenças de alguém sobre o que é e o que significa a experiência de morrer. Este livro é o compartilhamento de experiências profundas de um observador extremamente consciente. Ele o convida a desenvolver o seu olhar.
Meu avô me ensinou que o professor não é um sábio, mas alguém que aponta um dedo e direciona nossa atenção para a realidade que nos cerca. Frank Ostaseski é esse tipo de professor. Este livro lembrará você de muitas coisas. Ele me lembrou de que há poucas coisas que realmente importam, e quão importantes elas são; que, com frequência, sentimos fome espiritual no meio da abundância; e que numerosos professores nos cercam, oferecendo com paciência tudo de que necessitamos para viver bem e sabiamente. Ele me lembrou que, assim como o amor, a morte é uma experiência pessoal, e que essa intimidade é a condição para o nosso aprendizado. Ele me lembrou também da simplicidade dos verdadeiros professores e do poder que as histórias têm de nos unir numa teia de conexões muito mais profunda do que as coisas superficiais que nos separam. Por fim, ele me lembrou que estamos todos convidados para o baile. Sinto profunda gratidão por ter sido convidada para participar inteiramente da dança da vida. Você também sentirá.
Em última análise, a morte é um encontro íntimo e pessoal com o desconhecido. Muitos que morreram e voltaram à vida pelas mãos habilidosas da ciência nos dizem que essa experiência lhes revelou o propósito da vida – que não é ser rico, famoso ou poderoso. O propósito de toda existência é crescer em sabedoria e aprender a amar melhor. Se esse é o seu propósito, Os cinco convites é o livro certo para você.
Dra. Rachel Naomi Remen
Autora de As bênçãos do meu avô e Histórias que curam