Apresentação
No final de 2014, a produção do programa Encontro com Fátima Bernardes me procurou pela primeira vez. Desde 2011, eu mantinha uma página no Facebook com mais de um milhão de seguidores, a Nação Nordestina, e naquela época viralizou um vídeo em que eu aparecia declamando o poema “Nordeste independente”, de Bráulio Tavares e Ivanildo Vila Nova, que falava sobre o preconceito contra nordestinos. Como esse assunto estava na pauta do programa, me convidaram para falar. Quando vi o e-mail com o assunto “Encontro com Fátima Bernardes”, pensei logo: é vírus!
Participei, via FaceTime, lá da cozinha da minha casa, em Alto Santo. Quando a apresentadora deu bom-dia, eu já a chamei de “Fatinha”, para trazer para a intimidade (quem é o doido que fala com Fátima Bernardes pela primeira vez e já chega chamando de Fatinha? É muita “prafrenteza”!). Fiz uma participação de dois minutos falando de preconceito contra o povo nordestino. Mesmo a distância, pela internet, o pessoal da produção gostou desse primeiro contato.
Demorou uns dez dias e me chamaram de novo, dessa vez para ir pessoalmente ao programa, no Rio de Janeiro, falar sobre o jeito nordestino de ser. Era para eu bater um papo de uns cinco minutos com a Fátima e nem fiquei no sofá — falei da plateia mesmo, usando um chapéu de cangaceiro, ao lado de outras duas pessoas que iam falar do jeito carioca e do jeito paulistano de ser.
Eu nunca tinha ido a um programa de TV, mas foi tudo muito natural. Não tremi, conversei de forma divertida, real, e Fátima foi gostando do papo, das minhas histórias. Quinze dias depois me ligaram para ir de novo, dessa vez para falar sobre o poder de superação do nordestino, de sempre usar a inteligência, porque no programa estaria um menino do Ceará, João Vitor, que era estudante de escola pública e tinha tirado a maior nota do Enem no Brasil. Nesse dia eu fui para o sofá e troquei o chapéu de couro por um chapeuzinho do meu irmão, que acabou virando minha marca registrada. Aí, pronto! Era a chance de que eu precisava para declamar um poema. A mãe do garoto estava lá, ele falava muito da mãe, eu aproveitei e disse: “Eu tenho um poema sobre mãe.” Aproveitei que o programa era ao vivo, dei uma de gaiato e declamei.
Pensei que, se tivesse uma oportunidade, queria me mostrar poeta. Nunca tinha visto um poeta popular nordestino, matuto, ter espaço numa Rede Globo da vida. Eu não tinha nada a perder: não tinha contrato, estava lá pela segunda vez e nunca tinha sido meu sonho estar na televisão. Queria me apresentar como poeta para, de repente, chamar a atenção de alguma editora, ser colunista de um jornal, poder escrever. Nunca imaginei que teria espaço na televisão.
Declamei meu poema sobre mãe e, quando terminou o programa, me chamaram e disseram: “Que coisa bonita, o que é isso?” Isso é poesia. “Mas que tipo de poesia?” Poesia popular nordestina, cordel. “Você escreve sobre tudo?” Escrevo. Meu sonho é transformar a vida das pessoas através da poesia. Para isso, tenho que escrever sobre tudo.
Em 2015 passei a ir ao Encontro de forma esporádica, mais ou menos como um especialista em cultura nordestina. Quando tinha como encaixar algum poema, me davam abertura e eu declamava ali mesmo, no sofá. Muitas vezes passava despercebido na conversa, era muito rápido.
Um dia Maurício Arruda, na época o diretor do programa, me disse: “Da próxima vez você vai declamar em pé.” Perguntei se podia ser com pedestal, pois eu gosto de gesticular, e ele topou. Pedi que colocassem umas xilogravuras no telão, para dar essa ligação com o cordel, e ele topou também. Brinquei então que aquele seria o “meu quadro”. Então vamos pôr um nome: “Poesia com rapadura”. Fizemos desse jeito pela primeira vez no dia 8 de outubro de 2015, justamente no Dia do Nordestino, quando declamei o poema “Orgulho de ser nordestino”. A repercussão foi tão boa que passamos a fazer toda semana.
Minha caminhada como ativista da cultura já era longa, mas essa virada da fama que veio com a TV foi muito rápida e difícil de entender. Pegou todo mundo de surpresa, inclusive eu. Ninguém esperava que um cara do interior do Ceará, com um sotaque carregado e uma mensagem simples, estivesse toda semana na televisão e fizesse os vídeos mais assistidos e compartilhados na plataforma da emissora na internet (mais de 140 milhões de visualizações apenas em 2017). Parece até mentira que um poeta popular tenha sido o artista mais assistido das redes sociais da Rede Globo no ano. Como disse o poeta Pinto do Monteiro: “Poeta é aquele que tira de onde não tem e bota onde não cabe.”
Se parar para pensar, é fora da curva. Se um diretor ou produtor de TV propusesse um projeto semelhante, ninguém toparia. Só deu certo porque a coisa aconteceu de forma natural.
Sinto que é muito importante ter na maior emissora de TV do país um poeta que escreve literatura de cordel. Para uma parte do público, é muito representativo ver um cara do interior, que nunca foi de televisão, que não é ator nem cantor, sentado ali naquele sofá, ao lado de Tony Ramos, de Antônio Fagundes, e que não nega sua identidade — ao contrário, reforça. Existe um poder real de influenciar, em especial as crianças e os jovens, que veem um poeta sendo aplaudido na televisão, fazendo poesia. Isso gera um impacto grande, estimula muita gente a escrever.
Apesar de eu nunca ter sonhado com a fama, a televisão proporcionou o encontro da minha poesia com as pessoas. E pelas mensagens que recebo do público, posso comprovar, todos os dias, o incrível poder transformador da poesia.
Este livro é uma homenagem à poesia e a tudo o que ela me proporcionou. Além dos meus poemas, conto aqui minhas histórias e um pouco da minha trajetória como poeta e ativista cultural, e mostro como a poesia transformou a minha vida. Quis também dar voz às pessoas que me escrevem todos os dias contando como a poesia fez a diferença na vida delas. Por isso, no final do livro, há uma seleção de histórias impressionantes e comoventes.
Espero que a Poesia que transforma alcance cada vez mais corações.
Um cheiro,
Bráulio Bessa