Prólogo
Viva a vida!
Frida Kahlo foi um exemplo vibrante de liberdade, criatividade e amor incondicional – por seu marido, por sua arte e pela vida, com todas as suas contradições. Isto se reflete em um de seus últimos quadros, em que a frase “Viva la vida” (posteriormente adotada pela banda Coldplay em seu famoso álbum) aparece gravada à faca na polpa de uma melancia.
Uma declaração desse tipo, feita por alguém que viveu a dor, a doença e a invalidez, além da incompreensão de sua época, tem um valor ainda maior, pois demonstra que o ser humano possui a capacidade de transcender as adversidades e de criar um novo mundo a partir de sua insatisfação.
Ou seja: é capaz de criar a própria realidade.
Frida Kahlo soube transformar o sofrimento em arte e a dor em amor. Essa alquimista mexicana é uma das mulheres mais influentes do mundo artístico do século XX. E isso não se deve apenas às suas telas inconfundíveis.
Sua personalidade única e seus escritos são um farol que afasta as sombras da mediocridade e da resignação e nos ensina a viver de forma genuína.
Cada um dos 60 capítulos deste livro é um convite para mobilizar todo o nosso amor pela vida, para encontrar em nossa parte mais profunda tudo aquilo que podemos – e queremos – oferecer ao mundo e a nós mesmos.
Desejo que este livro sirva de inspiração para que você transforme sua existência em uma tela onde possa pintar o que desejar. Sem dúvida, será uma obra-prima.
Allan Percy
1 É possível inventar verbos?
Quero te dizer um: eu te céu. Assim, minhas asas se estendem, enormes, para te amar sem medida.
Frida Kahlo foi uma mulher à margem das convenções. A artista brincou com as cores, as formas e os estilos, usando-os para expressar o mundo exatamente como o enxergava ou como desejava que ele fosse. Debochava das regras e dos gêneros impostos pela Academia de Arte de sua época.
Os limites não foram feitos para ela, nem mesmo aqueles ditados pelo próprio corpo debilitado. Frida não se deixava prender.
Então por que aceitaria os limites da linguagem?
Pablo Neruda, o grande poeta chileno, autor de 20 poemas de amor e uma canção desesperada, escreveu:
Gosto de ti calada porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se tiveste morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E eu estou alegre, alegre, de que não seja verdade.
Quando amamos alguém, quando somos amados de volta, uma única palavra dita pela pessoa amada é capaz de mudar o nosso destino.
O amor corria pelas veias de Frida, que tinha consciência do poder da palavra como forma de demonstrá-lo. Só que as palavras que conhecia não lhe pareciam suficientes. Logo, por que não inventá-las?
Mas os apaixonados não modificam apenas o vocabulário. Um estudo da Universidade de Stirling, no Reino Unido, apontou que, quando gostamos de alguém, há mudanças quase imperceptíveis em nossa voz. Essas pequenas alterações nos tornam mais atraentes para quem nos ouve. Os pesquisadores analisaram as características vocais de 110 pessoas em situações de flerte e notaram que a voz dos homens ficava mais melodiosa.
Para Frida Kahlo, o convencional, o entediante e as normas estabelecidas se opunham à paixão – por isso “Eu te céu”, em vez de “Eu te amo”, “Eu cuido de você” ou “Eu te protejo”.
Por que não experimentamos inventar nossos próprios verbos, substantivos e adjetivos? Se dedicarmos alguns minutos às pessoas e às coisas que amamos, podemos criar uma linguagem nova, própria e pessoal.
Veja a seguir algumas ideias para brincar de forma amorosa com a linguagem:
Comece juntando duas palavras de que você goste, mesmo que a princípio não tenham relação uma com a outra.
Use um substantivo como verbo.
Leia “Jaguadarte”, o poema sem sentido e cheio de palavras inventadas de Lewis Carroll. Este, sim, é um ótimo exemplo!
2 As rãs continuam cantando para nós
– e nosso rio espera –,
o povo casto espera a Ursa Maior
e eu te adoro.
Nas culturas indígenas, a natureza tem um papel fundamental na interpretação do mundo e da vida. Os animais, elementos como o Sol ou o trovão e fenômenos como as tempestades acompanham os seres humanos em suas rotinas.
Segundo o governo mexicano, em 2012 a população indígena do país era de mais de 15 milhões de pessoas, pertencentes a 56 grupos étnicos diferentes e falantes de cerca de 100 idiomas distintos. É uma enorme e belíssima riqueza, mas que representa apenas 10% da população total.
Quando Frida Kahlo ainda estava viva, há menos de um século, os indígenas representavam a metade da população. Por meio de sua arte, Frida e Diego Rivera tornaram-se defensores das culturas autóctones das serras e florestas mexicanas.
Mas não apenas seus quadros eram atos de reivindicação. Durante grande parte da vida, a pintora se vestiu com as roupas típicas das mulheres indígenas como forma de expressão de um México original e maltratado. Seu guarda-roupa, por si só, é um verdadeiro museu, repleto de tesouros: o huipil, os rebozos – uma túnica sem mangas e um xale, respectivamente, vestimentas típicas dos indígenas mexicanos – e saias e vestidos de todas as cores.
O verso que abre este capítulo também poderia ser outra reivindicação. Para os antigos maias, que muito influenciaram a formação cultural do México, os animais eram associados ao culto religioso, à manifestação artística e à atividade econômica. Possuíam caráter sagrado e estavam presentes em todas as cerimônias. Segundo Frei Diego de Landa, um dos primeiros missionários espanhóis no Novo Mundo, “não havia animal ou inseto para o qual não fizessem uma estátua, e todos eram esculpidos à semelhança de seus deuses e deusas”.
O amor pleno como ato sagrado conta com a aprovação do Universo inteiro: o rio da vida por onde ele corre, as estrelas que o protegem e os animais que o acompanham.
Um exercício para se reconectar com a natureza é ter consciência de sua presença ao nosso redor e ser grato por isso, usando-a como inspiração. Apesar de vivermos em grandes cidades, é possível arranjar tempo para sentir essa comunhão: seja passeando em um parque, cultivando plantas na varanda ou compartilhando a vida com um animal de estimação.